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A obesidade é uma condição crônica cada vez mais prevalente, de difícil tratamento e alta tendência à recorrência. Mais do que um problema estético, está relacionada ao aumento do risco e da gravidade de várias doenças como diabetes, hipertensão, dislipidemia, infarto, AVC, esteatose, osteoartrites e apneia do sono.
Por isso, a mortalidade aumenta e a expectativa de vida diminui de forma proporcional à intensidade da obesidade.
Neste conteúdo, tratamos sobre as considerações que o profissional deve fazer antes de receitar remédio para emagrecer ao paciente durante um tratamento de obesidade. Confira!
O que considerar sobre o uso de medicamentos para tratar a obesidade
O uso de remédio para emagrecer deve ser considerado como medida auxiliar. Afinal, o tratamento inicial preconizado continua sendo sem medicamento, baseado em um tripé:
- Melhorar a qualidade da alimentação e reduzir o consumo calórico (se possível, com ajuda de nutricionista)
- Aumentar a atividade física incluindo exercícios físicos programados e de aumento de massa muscular (se possível, com a ajuda de um educador físico)
- Obter suporte psicoemocional para mudança de comportamentos relacionados à obesidade (se possível, com ajuda de um psicólogo)
Para melhorar a chance de sucesso na abordagem médica, é importante combinar com o paciente um acompanhamento mensal com o médico para avaliar o progresso do emagrecimento. Além disso, ajustar a estratégia de acordo com a resposta, melhorar o vínculo com o paciente e ajudá-lo a ampliar seu repertório de medidas para conseguir emagrecer e manter um peso mais saudável.
Se após 3 a 6 meses de tratamento e acompanhamento não houver a perda de pelo menos 5% do peso corporal, o uso de remédio para emagrecer pode ser indicado. Outras condições são o sobrepeso, com IMC acima de 25 e com alguma doença que tende a melhorar com a redução do excesso de peso como:
- Diabetes, pré-diabetes ou intolerância à glicose;
- Hipertensão arterial significativa;
- Dislipidemia, sobretudo com aumento do LDL colesterol;
- Insuficiência cardíaca com pouca tolerância a esforços;
- Apneia de sono;
- Artroses com dores limitantes;
- Esteatohepatite não alcoólica;
- Refluxo gastroesofágico.
Além disso, os remédios para emagrecer são indicados para obesos com IMC acima de 30, independentemente de ter alguma dessas comorbidades.
É razoável iniciar medicação auxiliar já no início do tratamento, junto das medidas de modificação dos hábitos alimentares, aumento das atividades físicas e mudanças comportamentais nos pacientes com:
- IMC > 35
- IMC > 30 associado a alguma das comorbidades listadas acima, sobretudo se mais graves e de difícil controle.
Paciente no centro do tratamento
O paciente deve ser sempre convidado a participar dessa decisão de usar medicamentos para emagrecer ou não e qual usar. Mas é importante que seja devidamente alertado que precisa manter as medidas de mudanças de estilo de vida para ajudar na perda de peso e evitar que volte a ganhar rapidamente o peso perdido.
O que mudou nos tratamento da obesidade com medicamentos nos últimos anos?
Em 2011, a ANVISA retirou do mercado as alternativas de medicamentos anfetamínicos como anfepramona, femproporex e mazindol. A decisão considerou que o risco de efeitos colaterais e o uso irregular não justificavam os resultados observados.
Apenas a sibutramina e o orlistate ficaram disponíveis, além do uso off-label do topiramato e bupropiona. A liraglutida também passou a ser muito usada off-label, pois só recentemente reconheceu-se a indicação para obesidade.
Em 2020, os resultados dos ensaios clínicos controlados (“trials”) começaram a mostrar os efeitos excepcionais da semaglutida, muito superiores aos observados com a liraglutida.
Esses dois agonistas do receptor GLP-1 foram inicialmente desenvolvidos para tratamento do diabetes tipo 2. Mas logo notaram seu grande potencial como auxiliar na perda do excesso de peso comum nos diabéticos e passaram a ser usados off-label com sucesso em obesos não diabéticos.
Os ensaios controlados com a semaglutida mostraram uma eficácia até então nunca observada com outros medicamentos para obesidade, o que levou ao licenciamento para esta indicação.
A explosão do uso da Semaglutida (Ozempic) se justifica?
A semaglutida é um agonista do receptor do GLP-1. Esse hormônio gastrointestinal reduz o esvaziamento gástrico, reduz o apetite e aumenta a saciedade com porções menores de alimentos. Ao contrário da liraglutida, tem ação mais longa e pode ser usada em injeções semanais.
Vale considerar o tamanho do efeito (eficácia):
- Administrado por via subcutânea uma vez por semana, o medicamento provoca uma perda média de peso de 15% na dose de 2,4 mg/semana por 68 semanas (1 ano e 3 meses) de tratamento;
- Se não há perda de pelo menos 5% do peso em 3 meses, sobretudo se o medicamento não está sendo bem tolerada ou impactando o paciente financeiramente, considerar suspender a medicação;
- O grupo controle que recebia orientações junto da injeção de placebo perdeu em média 3%. Ou seja, uma pessoa com 100 kg de peso caiu para 97 apenas com orientações e placebo e para 85 Kg com orientações + semaglutida semanal;
- Além da perda de peso, houve melhora de vários parâmetros de saúde como pressão arterial, lipídios séricos (colesterol total/e fração LDL/triglicérides), hemoglobina glicada (marcador de diabetes), proteína C reativa (marcador de inflamação crônica), intensidade da esteatose hepática ao ultrassom, episódios de apneia obstrutiva do sono, etc.;
- Em outro estudo controlado apresentado recentemente no ESC-2023, melhorou de forma significativa os sintomas de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada em pacientes obesos. Mas a importância clínica deste efeito ainda precisa ser mais bem avaliada.
Para que tipo de pacientes está indicada?
Principalmente para pessoas com obesidade (IMC > 30). Mas pacientes com IMC acima de 27 e pelo menos um fator de risco de doença cardiovascular também entram na lista. Como exemplo, temos hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo, apneia do sono, insuficiência cardíaca, etc.
Nos estudos de fase 3, a perda média de peso foi de 15% em 68 semanas (12% a mais que no grupo placebo) com dose semanal de 2,4 mg e 16% quando associada à terapia comportamental intensiva.
Infelizmente, como se vende o remédio para emagrecer sem prescrição, milhões de pessoas passaram a usar o remédio para emagrecer 2 ou 3 kg de peso – mesmo que estivessem com um peso clinicamente considerado adequado. Isso contribuiu para a falta do medicamento no mercado, já que o laboratório não conseguiu suprir a demanda excessiva em vários países do mundo.
Mas afinal qual é a dose e quanto custa esse tipo de tratamento?
Até hoje, apenas a marca Ozempic, com canetas de 0,25/0,5 mg e de 1 mg, está disponível no mercado brasileiro como remédio para emagrecer. Isso dificulta o uso da dose considerada adequada.
A marca Wegovy (do mesmo laboratório), com 2,4 mg/0,75 mL (dose adequada para obesidade) já foi aprovada pela ANVISA. Porém,o prazo para início da comercialização no Brasil é em 2024.
A dose testada que garantiu a perda de 15% do peso em 68 semanas era a de 2,4 mg/semana.
- No Brasil tem sido comum o uso da dose menor, de 1 mg/semana, que garante uma perda de peso menor;
- O uso semanal de 2 mg (duas aplicações de dose cheia da caneta do Ozempic) custa entre R$ 2.000 e R$ 2.600 por mês. Dessa forma, a perda esperada de 15 kg (como no trial original) em uma pessoa com peso inicial de 100 kg ao longo de 68 semanas (15,6 meses) custaria entre 30 e 40 mil reais o que equivaleria a R$ 2000-2600 por kg perdido. Mas muitos pacientes conseguem perder peso com doses bem menores (sobretudo os primeiros 5 kg)e, portanto, com custos mais baixos;
- O custo e a disponibilidade em maior volume no mercado são os maiores limitantes ao uso do produto. Mas a perda da patente está prevista para 2024, com chance de produção por outros laboratórios, o que aumentaria a concorrência.
Quais são os efeitos colaterais desse remédio para emagrecer?
Algumas pessoas não toleram o remédio para emagrecer. Assim, 1 em cada 20 prefere ou precisa interromper o uso da medicação por causa de efeitos colaterais como:
- Náusea;
- Vômito;
- Sensação de plenitude gástrica (empachamento);
- Constipação;
- Sonolência;
- Fraqueza;
- Tontura;
- Cefaleia;
- Hipoglicemia.
Para a maioria das pessoas, esses sintomas são leves ou moderados e quase sempre transitórios e melhoram com uso de doses menores. O risco de aumento de casos de pancreatite descrito com a liraglutida não foi notado com a semaglutida.
Além disso, não houve efeitos adversos graves notados na fase pós-lançamento.
E os outros remédios para emagrecer disponíveis?
Apesar de menos eficazes, estes remédios para emagrecer são bem mais baratos e continuam sendo alternativas para casos selecionados.
Liraglutida
Do mesmo grupo que a semaglutida, mas precisa ser administrada todo dia. Deve ser iniciada na dose de 0,6 mg/dia e, a seguir, aumentada progressivamente até a dose de 3 mg/dia.
A perda de peso adicional em relação ao tratamento não medicamentoso é em média de 6 Kg nos primeiros 4 a 6 meses, chegando até 8 kg em um ano.
As principais limitações são o custo e a intolerância (náusea, vômitos, constipação, hipoglicemia, cefaleia) que ocorrem sobretudo no início do tratamento. No entanto, é menor se for feito com aumento progressivo da dose.
Ao preço de cerca de R$ 220/caneta com 3 mL e 10,8 mg, uma dose diária de 3 mg custaria por mês cerca de R$ 1800. Isso torna seu uso não competitivo com a semaglutida que é bem mais eficaz. Se forem perdidos 8 kg em 1 mês de uso, o custo final seria de R$ 3600 por kg perdido.
Orlistate
Inibe seletivamente a atividade da lipase gastrointestinal e reduz a absorção de gordura ingerida em cerca de 30%, quando tomada junto a cada uma das três refeições principais do dia.
Em uma dieta típica de 1.800 calorias, com 30% delas em forma de gordura, a medicação poderia reduzir 180 calorias. Matematicamente, isso equivaleria a 8.000 calorias ou 1 kg de peso perdido a cada 45 dias.
Nos tratamentos de 6 a 12 meses com dieta, exercícios e modificações dos hábitos alimentares, o acréscimo de orlistate melhora a perda de peso em 2,6 Kg em média. Em muitos casos, resulta em perda de peso de 6 a 8 kg em um ano
Os efeitos adversos principais são diarreia (esteatorreia), urgência e incontinência fecal, geralmente com pequeno volume de perda de líquido oleoso quando o paciente acreditava que iria eliminar apenas gases
É considerada segura mesmo por tempo prolongado e a compra não exige prescrição médica. Em caso de uso prolongado, é prudente manter suplementação ou monitorar os níveis de vitaminas A, D e K
Uma dose de 120 mg três vezes ao dia (junto das refeições maiores) custa cerca de 100 por mês. Se forem perdidos 3 kg adicionais de peso em 6 meses de uso, o custo final é de R$ 200 por kg perdido.
Sibutramina
A sibutramina pode ser usada em um grupo muito restrito de pacientes, sem qualquer fator de risco cardiovascular relevante. Afinal, todos são considerados contraindicação no termo de responsabilidade exigido para sua prescrição.
Não deve ser usada em pacientes portadores de quadros depressivos, ansiedade generalizada e distúrbios maníacos.
A perda de peso adicional esperada em relação ao tratamento não medicamentoso é em média de 4 Kg em 4 meses.
Nos EUA e diversos outros países, este medicamento foi retirado do mercado depois que um estudo controlado (SCOUT) mostrou aumento de 16% no risco de eventos cardiovasculares combinados.
A ANVISA preferiu manter o medicamento para pacientes com IMC acima de 30 e refratários ao tratamento. Mas exige receituário B2 (azul em duas vias), limita a 60 cápsulas por prescrição e exige termo de responsabilidade pós esclarecimento dos riscos assinado pelo paciente.
O custo mensal com uma dose de 10 a 15 mg por dia pela manhã é de R$ 40 a 50 reais. Na perda de 4 kg adicionais em 6 meses de uso, o custo final é de cerca de R$75 por kg perdido.
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E os medicamentos usados com outra indicação e que ajudam na perda de peso?
Metformina
- Hipoglicemiante oral;
- Pode acrescentar uma perda média de 2 kg de perda de peso em 6 meses.
Gliflozinas
Entre os exemplos, estão dapaglifozina, canaglifozina e empaglifozina. Produzem perda renal de glicose,devido a inibição da enzima SGLT2, no tubulo renal
Indicadas no diabetes e em cardiopatas (pelo efeito diurético). Geralmente produzem uma perda de peso de 2 Kg ao longo de 6 meses.
Medicamentos psicoativos
Quando usadas em transtornos psiquiátricos, ajudam na perda de peso Bupropiona e Topiramato.
Nos Estados Unidos, os pacientes usam em associações como fentermina + topiramato e bupropiona + naltrexona.
Nota-se que são medicamentos mais eficazes, mas ainda ainda não disponíveis para uso no Brasil.
Tirzepatida
É um duplo agonista que mimetiza a ação do GLP-1 e do GIP (inibidor gástrico insulinotrópico).
Com 40 semanas de tratamento, produz uma perda de peso média de 12,4 Kg contra 6,2 kg com 1 mg semanal de semaglutida (dose baixa de semaglutida, mas muito usada em nosso meio).
Com tratamento mais longo, a perda média de peso chegou a 22% com dose semanal de 15 mg.
Já liberada e em uso nos Estados Unidos e Europa para uso no diabetes e em análise no Brasil pela ANVISA.
Retatrutida
Agonista triplo com ações sobre receptores GLP-1, GIP e GCG (agonista do receptor de glucagon). Mostrou perda de 24% em 48 semanas, tanto com dose de 8 como de 12 mg por semana.
Houve normalização do conteúdo de gordura hepática em quase 90% dos portadores de esteatohepatite não alcoólica. Ainda em fase 2 da pesquisa (agosto, 2023) e sem previsão de lançamento em caso de sucesso na fase 3.
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E o que precisamos mudar na nossa forma de abordar a obesidade nos consultórios e ambulatórios?
Primeiramente, é importante não ignorar o problema. Promover saúde e tratar os fatores de risco de doenças graves que impactam na mortalidade precisa ser sempre uma das nossas prioridades.
Excesso de peso (sobretudo com aumento da cintura), assim como o sedentarismo/inatividade física, hábitos alimentares inadequados, tabagismo, uso abusivo de álcool, excesso de estresse, problemas de sono devem ser abordados nas consultas de todas as especialidades ou, quando não há tempo, uma consulta adicional para esta abordagem precisa ser agendada.
- Sempre que for tratar uma comorbidade (sobretudo diabetes e transtornos psicoemocionais), preferir remédio para emagrecer e evitar medicamentos relacionados a ganho de peso;
- Não existem fórmulas simples e capazes de se implementar com sucesso em uma ou duas consultas. É preciso um programa de acompanhamento estruturado e, sempre que possível, com a ajuda de outros profissionais (nutricionista, psicólogo, educador físico);
- Os casos mais graves e refratários aos tratamentos clínicos adequados devem ser encaminhados para avaliação de indicação de cirurgia bariátrica;
- Todo profissional de saúde deve sempre aumentar e aprimorar seu repertório de orientações para ajudar o paciente com excesso de peso.
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Referências
Fóscolo RB, Oliveira RG. Obesidade. In: Blackbook Clínica Médica. 3a Ed digital. Belo Horizonte. Black Book Editora, 2022. ISBN: 978-65-980539-0-1 Perreault L et al. Obesity in adults: Drug therapy. UpToDate. Accessed sept 2023 ElSayed NA et al. Obesity and Weight Management for the Prevention and Treatment of Type 2 Diabetes: Standards of Care in Diabetes— ADA/2023. Diabetes Care 46:S128–S139, 2023 Wegovy prescribing information. Updated June 2021. US Food and Drug Administration. FDA, 2021 Wadden, T. A. et al. STEP 3 Investigators. Effect of subcutaneous semaglutide vs placebo as an adjunct to intensive behavioral therapy on body weight in adults with overweight or obesity: the STEP 3 randomized clinical trial. JAMA 325, 1403–1413, 2021) Wilding, J. P. H. et al. STEP 1 Study Group. Once-weekly semaglutide in adults with overweight or obesity. N. Engl. J. Med. 384, 989–1002, 202 |
É médico formado pela UFMG em 1979, é especialista em Clínica Médica (IPSEMG, 1981). Foi intensivista por 15 anos e é referência no tratamento da obesidade em consultório há quase 40 anos.