O Brasil acaba de alcançar um recorde histórico: 575.930 médicos ativos, atingindo uma proporção de 2,81 médicos por mil habitantes. Esse marco, que coloca o país à frente de nações como Estados Unidos e Japão em termos de proporção, levanta uma questão importante: como esse crescimento afeta a saúde e a formação médica no país?

Desde 1990, o número de médicos no Brasil mais que quadruplicou, subindo de 131.278 para 575.930 profissionais – um crescimento de 339%. Esse avanço está diretamente relacionado à expansão das escolas médicas e à crescente demanda por serviços de saúde. Atualmente, 389 faculdades de medicina estão em funcionamento no país, tornando o Brasil o segundo maior em número de instituições de ensino, atrás apenas da Índia.

Recorde de médicos no Brasil com 575.930 profissionais ativos

Evolução do número de médicos em atividade de 1990 até 2023.

Contudo, esse crescimento acende um alerta: o aumento da quantidade de médicos está alinhado com a qualidade da formação oferecida? Especialistas têm expressado preocupação sobre a abertura de novas escolas médicas sem critérios rigorosos, que pode impactar diretamente a qualidade dos serviços de saúde.

Desigualdade regional: um obstáculo persistente

Apesar do recorde no número total de médicos, a distribuição desigual permanece um problema crítico. Mais da metade (51%) dos profissionais concentra-se na região Sudeste, que abriga 41% da população. Em contrapartida, a região Norte conta com apenas 6% dos médicos, enquanto abriga 8,7% da população. 

Também nos programas de residência médica essa desigualdade geográfica é significativa, com maior concentração na região Sudeste.

  • O Sudeste lidera com 49,5% dos programas de residência médica, sendo São Paulo o estado mais representativo (23,8% dos programas), seguido por Minas Gerais e Rio de Janeiro. Juntos, esses três estados concentram 42,4% das instituições, 47,4% dos programas e 52,6% dos médicos residentes.
  • Por outro lado, as regiões Norte e Nordeste, por exemplo, registram densidades de médicos residentes por 100.000 habitantes de apenas 9,61 e 14,63, respectivamente, enquanto a média nacional é 22,45. Em contrapartida, o Sudeste tem uma densidade de 29,24, com destaque para o Distrito Federal (53,54) e São Paulo (32,47).

Distribuição de médicos residente nos estados brasileiros, com destaque para para a maior concentração no Sudeste e Sul do país.

Concentração em centros urbanos

Cerca de 62% dos médicos residentes estão em capitais, reforçando a preferência por grandes centros. Apenas 16% estão em municípios com menos de 300.000 habitantes, indicando um baixo índice de interiorização dos programas.

A média de profissionais ativos em municípios menores é de 1,89 médicos por mil habitantes, contra 7,03 nas capitais.

Essa disparidade resulta em desafios como o acesso limitado à saúde em áreas remotas e maior sobrecarga nos sistemas de saúde das regiões menos atendidas. Incentivos para fixação de médicos em regiões carentes ainda não têm sido suficientes para reverter esse cenário.

A importância do equilíbrio: médicos e médicas compartilham o cenário

O cenário da medicina no Brasil também reflete mudanças no perfil dos profissionais. Hoje, as mulheres representam 49,9% dos médicos ativos, e esse número pode ser ultrapassado em breve. Essa tendência é consistente desde 2009 e reflete a crescente participação feminina no mercado de trabalho.

Com isso, questões como jornada de trabalho, conciliação entre vida pessoal e profissional e equidade de oportunidades estão em destaque no debate sobre a saúde ocupacional dos médicos.

Para os gestores de saúde, essa transformação exige a criação de políticas que valorizem o bem-estar dos profissionais e assegurem a retenção de talentos no sistema de saúde.

Impactos na prática médica e oportunidades futuras

O aumento do número de médicos também traz oportunidades. Uma maior densidade de profissionais pode facilitar o acesso à saúde, melhorar a cobertura de especialidades e otimizar a oferta de serviços. Porém, para que isso ocorra, é fundamental:

  • Garantir qualidade na formação médica, evitando  a abertura de novos cursos sem  infraestrutura adequada enquanto não houver necessidade real de mais vagas.
  • Criar políticas que favoreçam a redistribuição geográfica de médicos, oferecendo incentivos que atraiam profissionais para áreas desassistidas.
  • Melhoria nas condições de trabalho, especialmente no SUS, e criação de estratégias de educação continuada que ajudem o profissional da linha de frente a aumentar seus conhecimentos, habilidades e resolutividade.

Se as tendências atuais persistirem, o Brasil deverá atingir a marca de 3,63 médicos por mil habitantes até 2028, superando a média dos países da OCDE. Entretanto, sem investimentos em infraestrutura, educação médica formal, residência médica e programas de educação continuada de qualidade e políticas de fixação, o sistema pode enfrentar sérios desafios.

O futuro da medicina no Brasil depende de um equilíbrio entre quantidade e qualidade, além de iniciativas que reduzam as desigualdades regionais e garantam condições dignas de trabalho. Apenas assim será possível transformar o crescimento acelerado em avanço efetivo para a saúde da população.

Conclusão: a transformação médica no Brasil pede planejamento

O recorde de médicos no Brasil reflete um avanço significativo é um indicativo de avanço, mas também traz à tona questões que precisam de atenção. A qualidade na formação, a desigualdade regional e a valorização dos profissionais são fatores decisivos para que esse crescimento resulte em benefícios reais para a saúde da população.

Se você é médico ou estudante de medicina, compartilhe sua visão: como esse aumento do número de médicos pode impactar sua prática e a saúde no Brasil?

Saiba mais:

Conselho Federal de Medicina (CFM). Aumento recorde no total de médicos no país pode ser cenário de risco para a assistência, avalia Conselho Federal de Medicina [Internet]. Brasília: CFM; 2023 [citado 2025 jan 21]. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/noticias/aumento-recorde-no-total-de-medicos-no-pais-pode-ser-cenario-de-risco-para-a-assistencia-avalia-conselho-federal-de-medicina

SCHEFFER, Mario C. et al. Radar da Demografia Médica no Brasil. Informe Técnico Nº 5. Panorama da Residência Médica: Oferta, Evolução e Distribuição de Vagas (2018-2024). Disponível em: https://amb.org.br/wp-content/uploads/2024/11/ResidenciaMedica_nov2024.pdf