Síndrome de Guillain-Barré - um olhar médico sobre SGB
ATENÇÃO: O conteúdo a seguir foi desenvolvido para profissionais e estudantes da área da saúde. Não deve ser utilizado como fonte de consultas por pessoas leigas.

Em 8 de julho, o Peru declarou situação de emergência devido à alta incidência da Síndrome de Guillain-Barré, que resultou em 182 casos em 2023. Até então, 31 pacientes estavam hospitalizados, 147 receberam alta hospitalar e quatro pessoas faleceram em decorrência da doença. Vamos revisar a sua fisiopatologia, os fatores associados, os sinais e sintomas e outras informações?

Após a pandemia de Covid-19, é grande a preocupação com epidemias de doenças antigas e futuras pandemias de novas doenças. Por esse motivo, assim que se anunciou a emergência no Peru, devido à Síndrome de Guillain-Barré, muitos questionamentos surgiram no Brasil por parte de pessoas leigas. Afinal, qual o risco que o problema representaria para a saúde pública?

Segundo o Ministério da Saúde, o risco é baixo para o Brasil. Isso se deve ao fato de que a síndrome em si não é contagiosa, mas algumas doenças que a causam são infecciosas, como a Zika e a Covid-19. A incidência mundial da Síndrome de Guillain Barré é de 0,5 a 2 casos para cada 100 mil habitantes por ano. Já dados brasileiros apontam uma incidência anual de cerca de 0,6 casos por 100 mil habitantes, com pico entre pessoas de 20 a 40 anos. 

Mesmo que rara, ela não é de notificação compulsória, diferentemente da paralisia flácida gerada por ela (suspeita de poliomielite) e de casos pós-vacinação, inclusive pela vacina da Covid-19. O Ministério da Saúde faz o monitoramento por meio do registro de internações e atendimentos hospitalares.

Agora que já sabe um pouco da epidemiologia atual, vamos relembrar um pouco mais sobre a Síndrome de Guillain-Barré? 

Qual é a etiologia da Síndrome de Guillain-Barré?

A Síndrome de Guillain-Barré (SGB), ou CID G.61.0, refere-se a um conjunto de polineuropatias agudas com origem imunológica. Essa condição é atualmente a principal causa de paralisia flácida de início agudo e que evolui de forma progressiva, podendo causar complicações sérias como insuficiência respiratória ou disfunção autonômica.

Surge de uma resposta imune cruzada, em que anticorpos produzidos contra partes de alguns agentes infecciosos (epítetos) passam a funcionar tambem como autoanticorpos e atacam a bainha de mielina dos nervos ou os próprios axônios, causando lesões neurológicas e as manifestações clínicas.

Essa resposta imune cruzada gera o desencadeamento de uma neuropatia inflamatória aguda em 85% dos casos. Desses, em 15%, a reação cruzada ocorre com os antígenos presentes na membrana do axônio, desencadeando a forma axonal aguda da síndrome.

Fatores associados

O paciente relata a infecção prévia (gatilho imune) em 70% dos casos, ocorrida entre 5 dias e 6 semanas antes do aparecimento dos sintomas de fraqueza muscular. A reação cruzada se dá por anticorpos formados principalmente contra alguns tipos de bactérias e vírus como:

Bactérias:

  • Gastroenterites por Campylobacter jejuni: é a causa mais frequente, relatada em cerca de um terço dos casos e motivo dos casos recentes no Perú
  • Haemophilus influenzae;
  • Mycoplasma pneumoniae.

Vírus:

  • Citomegalovírus (CMV): é a causa viral mais frequente;
  • HIV;
  • Epstein Barr;
  • SARS-CoV-2;
  • Varicela-zoster;
  • Herpes simples;
  • Hepatites A, B, C e E;
  • Enterovírus D68;
  • Arboviroses: Zika, Dengue e Chikungunya;
  • Sarampo.

Em algumas situações mais específicas, a etiologia pode ser oriunda de antígenos vacinais, secundário a politraumatismo grave ou até mesmo quadros pós-cirúrgicos. 

No ano de 2019, por exemplo, o Peru enfrentou um surto da doença com 900 casos, associados à bactéria Campylobacter jejuni, causadora de diarreia. Em 2020, foram registrados 448 casos, em 2021 foram 210, e em 2022, um total de 225 casos. 

Dentre as classificações de polineuropatias agudas imunomediadas, são destaques:

  • Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA);
  • Neuropatia axonal motora aguda (NAMA);
  • Neuropatia axonal motora e sensorial aguda (NAMSA).

A primeira classificação é a mais comum e a última a menos comum. Por mais que tenham nomes complexos, são de fácil entendimento.

Na primeira, ocorre a desmielinização devido a uma inflamação aguda em múltiplos nervos periféricos e raízes nervosas. As outras duas classificações abrangem lesões axonais que são menos prevalentes, sendo a lesão de nervos sensoriais a mais rara.

Quais os principais sinais e sintomas?

Síndrome de Guillain-Barré é rara, mas preocupa algumas pessoas..

A Síndrome de Guillain-Barré é clinicamente caracterizada por uma tríade que inclui:

  • Parestesia (formigamento ou dormência);
  • Arreflexia (diminuição dos reflexos tendinosos profundos);
  • Debilidade ascendente generalizada (fraqueza muscular que se manifesta e progride das extremidades inferiores para as superiores, podendo afetar músculos da face em até 40% dos casos, ou afetar os músculos respiratórios em casos mais graves).

Frequentemente, é precedida por dor lombar baixa e mialgias em muitos casos, progredindo rapidamente para:

  • Hipotonia (diminuição anormal do tônus muscular);
  • Insuficiência respiratória por paralisia dos músculos respiratórios
  • Disautonomia (com sintomas cardiovasculares graves, inclusive parada cardíaca)

A evolução progressiva até fraqueza/paralisia da musculatura respiratória exigindo suporte ventilatório ocorre em 10 a 30% dos casos. Sendo assim, o paciente deve ser assistido constantemente pela equipe de saúde.

Quando ocorre disautonomia, o funcionamento normal do sistema nervoso autônomo pode ser afetado, levando a alterações nas funções controladas por ele. É um sintoma que sugere alta gravidade e risco de morte.

Em geral, os sintomas podem variar dependendo do tipo específico de disautonomia, mas algumas manifestações comuns incluem:

  • Ciclos de hipertensão e hipotensão;
  • Ciclos com taquicardia e bradicardia sinusal;
  • Febre;
  • Redução do peristaltismo com distensão abdominal;
  • Retenção urinária;
  • Piloereção;
  • Secreção inapropriada de HAD com hiponatremia;
  • Disfunção de controle de esfíncteres.

Em cerca de 80% dos casos, o quadro clínico atinge um pico de gravidade nas três primeiras semanas, e a recuperação ocorre nas próximas semanas mas pode ser lenta e demorar até seis meses. No entanto, em até 15% dos casos, o padrão clínico característico pode não ser observado devido ao surgimento de diversas formas atípicas da doença.

Agora que conhece melhor oos sinais e sintomas que levam à suspeita para Síndrome de Guillain-Barré, vale a pena conferir como confirmar a hipótese diagnóstica.

Entendi! Mas como confirmar?

O diagnóstico inicial é feito observando os sintomas (anteriormente apresentados) e através de exames neurológicos realizados por um neurologista experiente. Os principais sinais são paralisia flácida e progressiva, geralmente acompanhada de reflexos profundos fracos ou ausentes.

Os critérios do National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS) são usados com frequência para sistematizar o diagnóstico clínico das duas formas típicas principais: NAMA e PDIA. Porém, não são adequados para o diagnóstico das outras variantes existentes para essa síndrome.

Além do exame físico e de informações fornecidas durante a anamnese, existem outros meios diagnósticos que merecem a sua atenção, como os seguintes.

Análise do líquor cefalorraquidiano

A punção lombar é indicada em todos os casos e pode ser repetida na semana seguinte, especialmente nos casos duvidosos, pois as alterações típicas levam algum tempo para aparecer.

A característica mais comum da Síndrome de Guillain-Barré é a “dissociação albumino-citológica”, que consiste em um aumento da albumina no líquido cefalorraquidiano sem um aumento correspondente no número de células. No entanto, a dissociação albumino-citológica típica é encontrada em cerca de 70-80% dos casos. Portanto, sua ausência não descarta o diagnóstico.

Já a concentração de albumina sérica está entre 50 e 200 mg/dL na maioria dos casos, mas pode chegar a 1.000 mg/dL. Quanto ao número de células no líquido cefalorraquidiano, geralmente há menos de 5 por microlitro. 

Imagem: Amostra de líquor cefalorraquidiano. Fonte: App Blackbook

Se a quantidade de células no líquido cefalorraquidiano for superior a 50 células por microlitro, outros exames adicionais devem ser realizados para investigar possíveis causas alternativas, como meningoencefalites (HIV, CMV, Lyme) e mielite transversa. Dentre eles estão:

  • Eletromiografia e estudo da condução neural;
  • Ressonância do encéfalo e da medula espinhal;
  • Dosagem de anticorpos anti-gangliosídeos;
  • Sorologia para HIV (já que pode causar Guillain-Barré com aumento da celularidade no líquido cefalorraquidiano).

Eletromiografia e estudo da condução neural

É pouco útil nos primeiros dias da doença e é preferível esperar a segunda semana para fazer o exame. No entanto, vale já deixar marcado, pois ajuda a diferenciar as formas desmielinizantes das formas axonais e a confirmar os casos de diagnósticos duvidosos. 

Os achados mais comuns na síndrome de Guillain-Barré são:

Achados mais precoces:

  • Ondas F prolongadas ou ausentes;
  • Reflexos H ausentes;
  • Aumento das latências mais distais;
  • Bloqueio das respostas motoras com dispersão temporal.

Achados tardios:

  • Lentificação ou ausência de resposta na condução motora após a terceira semana de evolução;
  • Eletromiografia com agulha dos músculos enfraquecidos mostra recrutamento reduzido ou padrão de denervação.

Você confere outros exames, como dosagem de anticorpos anti-gangliosídeos, ressonância magnética do encéfalo e medula espinhal e critérios como os Critérios NINDS e os Critérios de Brighton, na rotina do App Blackbook.

Após o diagnóstico, o que fazer? Como tratar?

É possível dividir em alguns passos as condutas que devem ser realizadas após o diagnóstico de Síndrome de Guillain-Barré. Vamos entender?

Internação

Em geral, a maioria dos casos da Síndrome de Guillain-Barré requer internação para monitorar a evolução e fornecer tratamento adequado, especialmente com o início da imunoterapia. Em alguns casos, a admissão em terapia intensiva é necessária. Por exemplo:

  • Risco iminente de comprometimento respiratório.
  • Fraqueza muscular progredindo rapidamente pelo escore MRC, ou já presente quadriparesia.
  • Presença de sintomas de comprometimento bulbar, como dificuldade para engolir e problemas para tossir e eliminar secreções respiratórias.
  • Sintomas de disautonomia, incluindo arritmias cardíacas e instabilidade hemodinâmica.

Monitoramento da respiração e indicação de intubação

É essencial realizar monitoramentos frequentes dos parâmetros respiratórios, com verificações a cada 2 ou 4 horas, dependendo da gravidade e progressão da condição. Essa observação constante é crucial para acompanhar a evolução do quadro e identificar possíveis sinais de insuficiência respiratória. 

Além disso, essa avaliação periódica permitirá determinar se há indicação de intervenções adicionais, como a necessidade de intubação para garantir um suporte respiratório adequado, se a situação exigir.

A vigilância constante dos sinais respiratórios é uma medida essencial para garantir o tratamento oportuno e eficaz dos pacientes com Síndrome de Guillain-Barré.

Indica-se a intubação se houver pelo menos quatro dos seis critérios abaixo:

  • Frequência respiratória > 30 irpm;
  • Oximetria de pulso < 92% em ar ambiente;
  • Capacidade vital forçada < 20 mL/kg (ou redução de 30% da medida prévia);
  • Força inspiratória máxima forçada: < -30 cmH2O;
  • Força expiratória máxima: < 40 cmH2O;
  • Retenção de CO2 com PaCO2 > 50 mmHg na gasometria

Monitoração da evolução neurológica (Escore MRC)

Monitorizar a força muscular é essencial, processo realizado por médicos, neurologistas, fisioterapeutas ou enfermeiros. Utiliza-se o escore MRC para avaliação. Se necessário, a calculadora EGRIS (IGOS – Erasmus GBS Prognosis Tool), disponível gratuitamente online, pode auxiliar na análise e prognóstico.

No app Blackbook, as pontuações específicas para cada critério de avaliação do escore MRC estão disponíveis. Que tal conferir? Monitoração da evolução neurológica (Escore MRC).

Imunoterapia

Seja pelo uso de imunoglobulinas venosas, seja por meio de plasmaférese, o uso desta abordagem pode melhorar significativamente a evolução da doença, com nível de eficácia similar.

A escolha se baseia na disponibilidade dos recursos locais, pois a segunda é geralmente mais cara. É importante pontuar que, após começar com um dos tratamentos, é desrecomendado alternar entre eles.

O uso de imunoglobulinas, ou seja, anticorpos criados contra os anticorpos que estão atacando a bainha de mielina ou o axônio do paciente reduz ou interrompe a inflamação e a lesão neural imunomediada. No entanto, não é indicada em todos os casos, e quando indicada deve ser feita nas duas primeiras semanas de sintomas.

Imagem:  Paciente internada fazendo uso de imunoglobulinas como tratamento para Síndrome de Guillain-Barré. Fonte: App Blackbook

Já a plasmaférese é indicada até o 28° dia de sintomas. Essa terapia consiste na substituição do plasma do paciente por plasma doado, visando remover anticorpos e complementos causadores da lesão.

Em cada sessão, cerca de 200 a 250 mL/kg de plasma são trocados. Geralmente, são realizadas entre 3 e 6 sessões em dias alternados, ao longo de duas semanas, com base em uma abordagem empírica.

Imagem: Bolsas para plasmaférese como tratamento para Síndrome de Guillain-Barré. Fonte: App Blackbook

Essas são as principais formas de tratamento para pacientes que apresentem Síndrome de Guillain-Barré. No entanto, as ações do médico não devem estar restritas apenas nesses aspectos. A notificação de casos pós-vacinais é exemplo de outro tipo de ação necessária, como veremos a seguir.

Casos pós vacinação. O que fazer?

A notificação de casos de Síndrome de Guillain-Barré após a vacinação é de extrema importância para monitorar e investigar possíveis eventos adversos associados às vacinas.

Embora seja importante ressaltar que os casos de SGB pós-vacinação são raros, o registro adequado dessas ocorrências é fundamental para garantir a segurança contínua das vacinas. Além disso, fornecer dados essenciais para pesquisas e estudos epidemiológicos.

Vale pontuar que vacinas continuam sendo a forma mais eficaz de proteção contra os mais diversos tipos de microrganismos, sendo extremamente seguras. Pensando no risco de desenvolver a forma pós vacinal da síndrome, uma vez que dois terços dos casos dessa síndrome estão ligados à infecção prévia, ainda assim é mais seguro estar vacinado contra os microrganismos por meio da vacinação.

Diversos países relataram casos raros de Síndrome de Guillain-Barré após a vacinação contra a Covid-19, incluindo o Brasil. Segundo um comunicado divulgado pela Anvisa em 2019, até aquele momento, 27 notificações eram de casos suspeitos de SGB após a imunização com a vacina da AstraZeneca. Ademais, três casos com a vacina da Janssen e mais quatro com a CoronaVac, totalizando 34 registros.

Notificação

Mesmo que o número de casos seja mínimo, é importante saber como notificar casos de Síndrome de Guillain-Barré após a vacinação contra Covid-19. A notificação de casos de SGB, inclusive, deve ser feita à Anvisa.

É de extrema importância identificar cuidadosamente o tipo de vacina suspeita de causar o evento adverso, fornecendo informações detalhadas, como o número do lote e o fabricante da vacina. 

Profissionais de saúde e cidadãos podem notificar eventos adversos pelo e-SUS Notifica e formulário web do VigiMed. Caso se relacione a vacinas ou produtos de saúde utilizados na vacinação, a notificação é feita pelo Notivisa.

E depois disso tudo?

Agora que está por dentro da epidemiologia, etiologia, sintomas, tratamento hospitalar e até mesmo sobre notificação de casos pós vacinais, que tal conferir as medidas de reabilitação para Síndrome de Guillain-Barré na rotina do App Blackbook? Aproveite os 7 dias grátis para novos assinantes!

Referências

Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa

BENETI, Giselle Maria; DA SILVA, Dani Luce Doro. Síndrome de Guillain-Barré. Semina: Ciencias Biologicas e da Saude, v. 27, n. 1, p. 57-69, 2006.

MANFROI, Bárbara; DALARI, Letícia Aranega. Síndrome de Guillain-Barré. Brazilian Journal of Health Review, v. 5, n. 1, p. 2565-2572, 2022.

Versão digital e Blackbook Clínica Médica 3ª edição, 2023.

SOUSA, Eduardo Macedo; FONSECA, Matheus Henrique Brito; DA ROCHA SOBRINHO, Hermínio Maurício. A manifestação da Síndrome de Guillain-Barré como complicação pós-infecciosa da Covid-19 em adultos: uma revisão narrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 15, n. 9, p. e10881-e10881, 2022.

TARANTO, Rodrigo et al. Síndrome De Guillain-Barré em paciente escolar. Caminhos da Clínica, v. 2, n. 01, 2023.