A arbovirose emergente que desafia o diagnóstico clínico no Brasil
Em 2025, a febre Oropouche tem chamado a atenção dos profissionais de saúde no Brasil com um aumento expressivo no número de casos e a confirmação de uma morte no Rio de Janeiro. Esta arbovirose é transmitida pelo mosquito Culicoides paraensis, conhecido popularmente como maruim ou mosquito-pólvora, e apresenta sintomas semelhantes aos da dengue e de outras arboviroses, tornando o diagnóstico diferencial um desafio na prática clínica diária. A epidemiologia da doença também tem se alterado muito ao longo do tempo, exigindo atenção redobrada dos profissionais de saúde.
Panorama epidemiológico atual da Febre Oropouche
A febre Oropouche, considerada rara até alguns anos atrás, está se tornando um problema de saúde pública relevante devido ao aumento significativo de casos registrados em 2025. Originalmente identificada no Pará em 1960, a doença tem se expandido para outras regiões do país. O número de casos suspeitos ou confirmados passou de 833 em 2023 para 13.853 em 2024 e, em 2025, já chegou a 10.076 até meados do mês de maio.

Fonte: Ministério da saúde.
Alterações no perfil geográfico da Febre Oropouche
Outra preocupação é a variação territorial dos casos, que pede grande atenção dos profissionais de saúde. Segundo dados do Ministério da Saúde, o estado brasileiro que lidera o ranking de casos continua sendo o Espírito Santo, com 6.123 casos identificados até a 19ª semana epidemiológica de 2025, valor que já supera todo o ano de 2024, em que foram notificados 5.868 casos. Porém, houve uma alteração geográfica importante de um ano para outro:
- Em 2024, o estado do Amazonas ocupava o segundo lugar (3.231 casos), seguido por Rondônia (1.711 casos) e Bahia (891 casos).
- Em 2025, até a 19ª semana epidemiológica, o segundo lugar está com o Rio de Janeiro (1900 casos), seguido por Minas Gerais (682 casos), Paraíba (640 casos) e Ceará (573 casos).
Estado | Casos em 2024 | Casos em 2025 (até maio) | Aumento proporcional |
---|---|---|---|
Espírito Santo | 5.868 | 6.123 | 5.845% |
Amazonas | 3.231 | 0 | -100% |
Rondônia | 1.711 | 7 | -99,6% |
Bahia | 891 | 5 | -99% |
Rio de Janeiro | 156 | 1.900 | 1.118% |
Minas Gerais | 301 | 682 | 253% |
Paraíba | 6 | 640 | 63.900% |
Ceará | 257 | 573 | 57.200% |


Fonte: Ministério da saúde.
Alerta para profissionais de saúde: é fundamental ficar atento à possibilidade de infecção por Oropouche, principalmente porque as áreas endêmicas tem variado. Todos os casos suspeitos são de notificação compulsória.
Diagnóstico diferencial: Febre Oropouche x Dengue
Existem muitas semelhanças clínicas entre a febre Oropouche e outras arboviroses, principalmente a dengue. Apesar disso, existem diferenças importantes que auxiliam no diagnóstico diferencial:
Sintomas comuns às duas arboviroses:
- Febre de início súbito (presente em 100% dos casos)
- Cefaleia intensa (80-95%)
- Dores musculares (50-90%)
- Artralgias (30-70%)
- Dor nas costas (até 90%)
- Calafrios (50%)
- Náuseas e sintomas gastrointestinais
Particularidades da Febre Oropouche:
- Curso clínico: geralmente mais benigno que a dengue
- Complicações: menor risco de manifestações hemorrágicas graves
- Manifestações neurológicas: maior incidência de meningite asséptica (4 a 15%)
- Padrão bifásico: possibilidade de retorno dos sintomas após período assintomático
- Vetor: transmitida pelo Culicoides paraensis (1 a 3 mm), um mosquito significativamente menor que o Aedes aegypti (5 a 7 mm)
Tabela comparativa: Oropouche x Dengue
Característica | Oropouche | Dengue |
---|---|---|
Vetor principal | Culicoides paraensis (maruim) | Aedes aegypti |
Tamanho do vetor | 1 a 3 mm | 5 a 7 mm |
Duração dos sintomas | 2 a 7 dias | 5 a 7 dias |
Risco de choque | Muito raro | Presente (dengue grave) |
Manifestações hemorrágicas graves | Raras | Possíveis (dengue grave) |
Comprometimento neurológico | 4 a 15% | Menos comum |
Padrão bifásico | Comum | Incomum |
Mortalidade | Extremamente baixa | Cerca de 1:10.000 casos |
Desafios diagnósticos na prática clínica
Para médicos e enfermeiros na linha de frente, especialmente em UBS e pronto-atendimentos, o diagnóstico diferencial da Febre Oropouche apresenta desafios significativos:
- Limitações dos testes rápidos: muitos dos testes rápidos de dengue não são eficazes para diagnosticar Oropouche
- Disponibilidade de exames específicos: a confirmação por rt-PCR está disponível principalmente na rede LACEN
- Janela diagnóstica: O rt-PCR é eficaz apenas até o 5º ou 6º dia de sintomas
- Sintomas inespecíficos: o quadro clínico é facilmente confundido com outras arboviroses
Dica clínica: Considere a possibilidade de febre Oropouche em pacientes com quadro sugestivo de arbovirose, mas com teste rápido negativo para dengue, especialmente em áreas com presença conhecida do vetor.
Manejo clínico e tratamento da Febre Oropouche
O tratamento da febre Oropouche é semelhante ao da dengue em sua forma não complicada:
- Sintomáticos (paracetamol ou dipirona) para controle da febre e da dor
- Hidratação oral adequada (menos crítica que na dengue)
- Repouso
Importante: diferentemente da dengue, o uso de anti-inflamatórios não esteroides não é tão restrito na febre Oropouche, embora ainda seja preferível evitá-los até confirmação diagnóstica.
Prevenção e controle da febre Oropouche: papel fundamental dos profissionais de saúde
A prevenção continua sendo a estratégia mais eficaz para controlar os surtos de febre Oropouche, pois, o vetor da doença, Culicoides paraensis, apesar de pequeno e difícil de detectar, pode ser controlado com medidas preventivas:
- Evitar se expor nos horários em que o inseto mais pica (início da manhã e final da tarde)
- Usar roupas que cubram a maior parte do corpo, como blusas de manga comprida, calças e meias
- Eliminar os criadouros, como locais onde há acúmulo de matéria orgânica em decomposição (por exemplo, folhas e cascas de frutas junto de umidade e sombra)
- Instalação de telas com trama bem fina nas janelas (lembrar que o mosquito mede cerca de 1,5 mm e pode atravessar as telas comuns)
- Aplicar óleo corporal na pele, em quantidade abundante: apesar de não atuar como repelente, o óleo age como barreira, na qual o mosquito fica preso
Importante: diferentemente da dengue, o uso de repelentes e inseticidas podem não ser muito eficazes
Comparação entre os vetores da Febre Oropouche e da Dengue
Apesar dos sintomas semelhantes entre Oropouche e dengue (e até chikungunya), os vetores de cada doença são completamente diferentes. Conhecer essas diferenças é muito importante para as orientações de prevenção, principalmente quando consideramos o quanto a doença está se espalhando pelo território brasileiro.
A característica principal que diferencia os vetores é o tamanho. O maruim ou mosquito-pólvora, vetor da Febre Oropouche, é extremamente pequeno, com tamanho aproximado de 1,5 mm; menos da metade do tamanho do mosquito da dengue. Com esse tamanho, pode ser muito difícil ver o mosquito, e até as telas de proteção precisam ser adaptadas para tramas muito mais finas do que as usadas normalmente.




Notificação: pilar essencial para vigilância epidemiológica
Todos os casos de Oropouche, suspeitos ou confirmados, devem ser notificados à vigilância epidemiológica local. A notificação precoce permite:
- Monitoramento adequado da disseminação da doença
- Implementação de medidas de controle vetorial
- Melhor compreensão do comportamento epidemiológico da arbovirose
- Alocação de recursos para diagnóstico e tratamento
O papel específico de cada profissional de saúde na abordagem da Febre Oropouche
Médicos:
- Incluir o diagnóstico diferencial da febre Oropouche no grupo de síndromes febris agudas
- Solicitar exames específicos quando disponíveis
- Orientar adequadamente sobre o curso da doença e sinais de alerta
Enfermeiros:
- Monitorar sinais vitais e evolução clínica
- Implementar protocolos de triagem que incluam a suspeita de Oropouche
- Orientar pacientes sobre medidas preventivas
Farmacêuticos:
- Orientar sobre o uso correto de medicamentos sintomáticos
- Esclarecer dúvidas sobre prevenção
- Auxiliar na identificação de reações adversas aos medicamentos
Biomédicos e laboratoristas:
- Conhecer os protocolos de coleta e armazenamento de amostras
- Compreender as limitações dos testes disponíveis
- Garantir o correto encaminhamento das amostras para laboratórios de referência
Recursos para aprofundamento e prática clínica
Para obter informações detalhadas sobre o diagnóstico e tratamento da febre Oropouche, confira a rotina completa no aplicativo Blackbook.
- Fluxogramas de decisão para diagnóstico diferencial
- Critérios detalhados para suspeita clínica
- Orientações para coleta e envio de amostras
- Protocolos de manejo clínico baseados em evidências
O suporte confiável do Blackbook permite que você tome decisões clínicas rápidas e baseadas em evidências, essenciais no cenário atual de emergência desta arbovirose.
Referências: Ministério da Saúde. Nota Técnica 6/2024 – Orientações para a vigilância da febre Oropouche, CGARB/DEDT/SVSA/MS, 2024 G1. RJ registra morte por febre do Oropouche. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/05/16/rj-registra-morte-por-febre-do-oropouche.ghtml Ministério da Saúde. Painel Epidemiológico Oropouche. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/o/oropouche/painel-epidemiologico Fiocruz. Orientações sobre Febre Oropouche. Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2024/08/FEBRE_OROPOUCHE_MULHERES.pdf COSEMS-SP. Nota técnica: orientações para a vigilância da febre do Oropouche. Disponível em: https://www.cosemssp.org.br/noticias/nota-tecnica-orientacoes-para-a-vigilancia-da-febre-do-oropouche/ |


Mestra em Medicamentos e Assistência Farmacêutica pela UFMG
Farmacêutica editora na Blackbook desde 2016
fernanda@blackbook.com.br