AHA 2022

Entre os dias 5 e 7 de novembro, a cidade de Chicago recebeu o congresso anual da American Heart Association (AHA). Além das 400 sessões e apresentação de 4.000 resumos, também foram 5 simpósios em sessões pré-congresso, no dia 4.

A AHA é responsável por publicar diretrizes na área de cardiologia que se tornam a base de protocolos em todo o mundo, com temas como Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP) e Atendimento Cardiovascular de Emergência (ACE).

A professora Milena Soriano Marcolino (pós-doutora, professora adjunta da UFMG e uma das colaboradoras do Blackbook), esteve presente ao congresso e compartilhou conosco as novidades mais interessantes que selecionou.

Confira os principais temas abordados!

Abertura

Os simpósios pré-congresso tiveram sessões sobre início de carreira, fronteiras da ciência e seminários cardiovasculares. Houve a apresentação de 46 temas que abordaram inovações no tratamento de arritmias, cuidados cardiovasculares de última geração, pesquisa e inovação em cardiologia congênita, dentre outros.

A conferência de abertura abordou um dos temas mais importantes da atualidade: o estresse

Discutiu-se a influência de desastres como a COVID-19 e os furacões, enchentes, que têm se tornado cada vez mais comuns, como importantes causas de estresse sustentado. 

Outros temas polêmicos foram discutidos, dentre eles a grande quantidade de informações falsas e consequente “desinformação”, que tem se tornado importante fator de risco de mortalidade. Além disso, falou-se da necessidade de combater a iniquidade na saúde de forma geral, salientando a grande parcela da população sem acesso à alimentação saudável.

Foto: Um dos slides da apresentação de abertura (Formas variadas de desinformação carregam diferentes níveis de ameaça).

Saúde cardiovascular e os problemas socioeconômicos atuais

Um dos temas mais frequentemente abordados no congresso foi o das iniquidades e determinantes sociais. Em uma das sessões principais, no dia 6 de novembro, intitulada “Paul Dudley White International Lecture and Session: Laureate, Storytelling and Perspectives for Syndemic and Global Cardiovascular Risk Reduction”, a economista francesa Esther Duflo, Nobel de economia em 2019, apresentou uma aula sobre pobreza, COVID-19 e risco cardiovascular (“PDW Lecturer: Developmental Economics and CVD Risk Reduction Globally”).

Na mesma sessão, a presidente da American Heart Association, Michelle Albert, apresentou acerca de seus estudos sobre como as adversidades (violência, racismo, discriminação, desastres naturais e problemas econômicos) impactam a saúde cardiovascular (“The connection between economic adversity and cardiovascular health”).

Ela mostrou a relação desses fatores com biomarcadores, como proteína C reativa, calcificação coronária, níveis pressóricos, baixo peso e condições de sono ruins e demonstrou um conceito interessante da matemática da adversidade. 

Albert deixou bem claro que a educação é apenas um dos fatores que podem ajudar a reduzir as inequidades sociais, exemplificando que um indivíduo negro com pós-graduação tem em média o mesmo salário que um indivíduo branco que termina o ensino médio. Em seu discurso, ela mostrou várias soluções possíveis, do ponto de vista socioeconômico.

Também mencionou que devemos perseguir os 5 A`s: awareness, assistance, adjustment, alignment, and advocacy” (conscientização, assistência, ajuste, alinhamento e defesa dos direitos), evidenciando também que a resiliência é um fator importante para reduzir o risco. Ela finaliza sua palestra com uma fala inspiradora, dizendo que cada um de nós deve refletir sobre a questão e ser parte da solução.

Participação brasileira no Congresso

Foto: Um dos slides da apresentação “Economic Adversity: social and health care integration activities”.

A dra. Milena teve a oportunidade de representar o Brasil com o resumo “Development and validation of a risk score to predict kidney replacement therapy in COVID-19 patients”, um estudo que desenvolveu e validou um escore de risco de diálise em pacientes com COVID-19, recentemente publicado na revista BMC Medicine

Além disso, nossa colaboradora participou também de uma sessão importante que destacou a fibrilação atrial como uma doença social (“Atrial Fibrillation as a Social Disease: Implications for Primary and Secondary Prevention”), com a apresentação do tema interseccionalidade entre os determinantes sociais e os fatores de risco cardiometabólicos (“Intersectionality of cardiometabolic risk and social determinants for AF prevention”).

Foi uma sessão muito interessante, que contou com pesquisadores renomados em fibrilação atrial. A mensagem principal da sessão foi a de que os determinantes sociais são importantes fatores de risco que devem ser relacionados aos desequilíbrios cardiometabólicos e inter-relacionados entre si. Ademais, que abordá-los é essencial para a prevenção e manejo da fibrilação atrial, a fim de reduzir as complicações da doença.

Foto: Participantes do American Heart Association 2022.

Resultados em primeira mão: late-breaking science

Algumas das sessões mais interessantes ocorreram de forma simultânea, as chamadas “Late-breaking science”. Foram mostrados os resultados de estudos publicados simultaneamente com o congresso e que podem mudar a prática clínica. 

Confira a seguir alguns dos resultados apresentados!

Comparação de eficácia de torsemida e furosemida no manejo da insuficiência cardíaca (TRANSFORM-HF)

Resultados primários do estudo pragmático e aberto que compara a eficácia de torasemida e furosemida no manejo da insuficiência cardíaca. 

Torsemida (ou torasemida) é um diurético de alça um pouco mais potente, com maior biodisponibilidade e duração maior de efeito que a furosemida e é amplamente utilizado nos EUA.

A pesquisa randomizou 2.859 pacientes em mais de 60 hospitais dos Estados Unidos, com acompanhamento por telefone desde o diagnóstico recente da insuficiência cardíaca até estágios de piora.

O objetivo do estudo foi comprovar se esse medicamento possui efeito superior na prática. Porém, o resultado primário mostrou que ambos, furosemida e torasemida, possuíam taxas de mortalidade e hospitalização semelhantes.

Após 12 meses de acompanhamento, os resultados mostraram equivalência de efeito dos dois medicamentos em todos os subgrupos pré-especificados, incluindo a fração de ejeção.

Efeitos da clortalidona em comparação à hidroclorotiazida na prevenção de eventos cardiovasculares em idosos com hipertensão

Esse ensaio clínico randomizou mais de 13.000 veteranos dos Estados Unidos com idade mínima de 65 anos durante cerca de 2 anos e meio. O documento avaliou os efeitos clortalidona em comparação à hidroclorotiazida na prevenção de eventos cardiovasculares em pacientes com hipertensão.

Os resultados mostraram que não houve diferença significativa na redução de incidência de desfechos cardiovasculares importantes ou mortes não relacionadas ao câncer. Além disso, não houve diferenças nos desfechos secundários, incluindo infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca. Diferente do esperado, a clortalidona foi associada a maior incidência de hipopotassemia que com a hidroclorotiazida.

Algumas observações importantes foram destacadas no subgrupo em uso de clortalidona: entre os participantes que tiveram acidente vascular cerebral ou infarto prévio, houve redução nas mortes por infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca, enquanto naqueles sem acidente vascular cerebral ou infarto houve aumento do risco de desenvolver doenças cardiovasculares.

Foto: Um dos slides de apresentação dos resultados do estudo mostrando diferenças no subgrupo clortalidona.

Duas limitações importantes precisam ser destacadas: os pacientes em uso de hidroclorotiazida tinham boa resposta e poucos efeitos adversos, o que pode ter acarretado viés de seleção. Além disso, as características dos pacientes – predominantemente homens, brancos e com idade mínima de 65 anos – indicam a necessidade de avaliação em outros grupos.

Ainda assim, os resultados encontrados ressaltam a importância da avaliação individual do histórico para a definição da terapia anti-hipertensiva mais adequada para o paciente.

Novo hipotrigliceridemiante pemafibrato é capaz de reduzir risco cardiovascular em pacientes com dislipidemia mista (Prominent)?

Esse ensaio clínico multinacional, randomizado, duplo-cego, apresentou resultados primários do estudo que avalia se o pemafibrato é capaz de reduzir risco cardiovascular em pacientes diabéticos tipo 2 com dislipidemia mista – hipertrigliceridemia leve a moderada e HDL baixo.

O pemafibrato é um medicamento da classe dos fibratos desenvolvido no Japão. Estudos de fase 3 indicaram que essa droga é capaz de melhorar perfis lipídicos e resistência à insulina em diabéticos tipo 2 com hipertrigliceridemia, com relação risco x benefício melhor que a de outros fibratos, inclusive em pacientes com doença renal crônica.

Foto: Um dos slides da apresentação.

A pesquisa aconteceu em 24 países, entre os anos de 2017 e 2020, e randomizou quase 10.500 pacientes com idade média de 64 anos para receberem pemafibrato ou placebo. A maior parte (96%) tinha LDL-C controlado com estatina de moderada ou alta intensidade. Cerca de 1/3 dos participantes foi avaliado para a ocorrência de eventos cardiovasculares primários e o restante para eventos secundários.

Embora o pemafibrato tenha se mostrado capaz de reduzir triglicérides, VLDL, remanescentes de colesterol e apo CIII em 20 a 30%, não houve diferença nos desfechos cardiovasculares primários (infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral isquêmico, revascularização coronária ou morte cardiovascular), secundários ou na mortalidade geral. Houve aumento de efeitos adversos renais e de tromboembolismo venoso.

Os resultados decepcionaram, porém, estão alinhados com outros estudos envolvendo fibratos. Esse é um estudo negativo com uma mensagem importante: a administração de fibrato não é capaz de reduzir risco cardiovascular residual.

Há evidências de que a titulação rápida da dose de medicamentos recomendados no manejo da insuficiência cardíaca tem impacto na qualidade de vida de pacientes após alta de internação (STRONG-HF)?

Esse estudo multinacional, randomizado e aberto, apresentou resultados da pesquisa que avaliou evidências de aumento da sobrevida com a titulação rápida de medicamentos orientados por diretrizes após internação por insuficiência cardíaca aguda.

Os 1.800 pacientes inscritos tinham entre 18 e 85 anos (média 63 anos) e foram hospitalizados em 87 instituições de 14 países, sendo estratificados em 2 grupos, sendo um de cuidados usuais (de acordo com protocolos locais) e o outro de cuidados de alta intensidade, que envolveu titulação rápida de doses de betabloqueadores, inibidores da enzima conversora de angiotensina, bloqueadores dos receptores de angiotensina e antagonistas dos receptores de mineralocorticoides.

No segundo caso, os medicamentos foram rapidamente titulados para 100% das doses ideais após 2 semanas da alta, sempre com acompanhamento e retorno.

Após a alta, esses pacientes foram acompanhados e avaliados e os resultados foram apresentados para 90 dias e 180 dias de acompanhamento.

O estudo foi interrompido precocemente por ter sido considerado inseguro continuar o recrutamento no grupo cuidados usuais. Contudo, uma revisão dos resultados mostrou que no grupo de tratamento de alta intensidade houve redução maior da pressão arterial, da concentração de peptídeo natriurético (NT-proBNP) e da classificação da insuficiência cardíaca segundo a New York Heart Association (NYHA). A reinternação por insuficiência cardíaca ou morte por todas as causas também foi menor no grupo de alta intensidade (diferença de risco de 8,1%), mas sem diferença por mortalidade isolada.

A conclusão do estudo é de que a estratégia de titulação mais rápida com aumento das doses orientada por diretrizes e com acompanhamento rigoroso após uma internação por insuficiência cardíaca aguda reduziu sintomas, melhorou qualidade de vida e reduziu o risco de reinternação, em comparação com os cuidados usuais.

A mensagem principal é buscar retornos frequentes para esses pacientes com insuficiência cardíaca aguda pós-alta e combater a inércia terapêutica com ajustes mais rápidos nas doses dos medicamentos, conforme recomendado em diretrizes.

Esses e outros pontos abordados no congresso American Heart Association já estão sendo avaliados e adaptados para a nossa realidade e você poderá conferir nas rotinas do Blackbook voltadas para cardiologia.

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