A pandemia de COVID-19, desencadeada pelo vírus SARS-CoV-2, afetou a saúde global como um todo – inclusive, o bem-estar físico e mental de inúmeras pessoas. Com mais de 775 milhões de casos confirmados, a jornada de recuperação para muitos tem sido árdua e complexa, especialmente para quem busca retomar suas rotinas de exercícios físicos e esportes.
Além de marcar um passo significativo na recuperação da saúde, essa é uma prática que se torna um pilar para a reabilitação, a saúde mental e a qualidade de vida.
Neste cenário, a orientação e aconselhamento dos profissionais de saúde – médicos, fisioterapeutas, e profissionais de educação física – é ainda mais crucial. Eles estão na linha de frente, aconselhando, dando suporte e cuidados necessários para garantir que o retorno a uma vida ativa seja seguro e benéfico para a recuperação integral do indivíduo.
Com uma parcela significativa dos recuperados desejando retomar suas atividades físicas habituais, a demanda por uma orientação clara e baseada em evidências nunca foi tão alta.
A seguir, acompanhe informações relevantes para ampliar sua perspectiva e aprimorar técnicas de apoio a pacientes que buscam o retorno ao esporte após infecção por SARS-CoV-2.
Avaliação inicial e monitoramento
A retomada de atividades físicas após a COVID-19 exige uma avaliação criteriosa e individualizada de cada caso. Afinal, a doença apresenta um amplo espectro clínico, que vai desde infecções assintomáticas até casos graves que necessitam de hospitalização e técnicas invasivas como ventilação mecânica e ecmo.
Aspectos como a gravidade da infecção, eventuais complicações ocorridas durante a doença, o nível de atividade física prévio e a intensidade dos exercícios físicos almejados são todos fatores cruciais a considerar.
Para casos de gravidade leve a moderada, por exemplo, geralmente o retorno ao esporte após infecção por SARS-CoV-2 é seguro cerca de 7 a 14 dias após a recuperação, iniciando com exercícios de baixa intensidade.
Já para casos graves e em que se pretende realizar volume e intensidades mais altas de exercícios físicos, é imperativo realizar uma avaliação clínica abrangente. Ela pode incluir exames como ecocardiograma e teste de esforço, a fim de identificar possíveis riscos antes de retornar a qualquer atividade física intensa.
Orientações para o retorno gradual
O retorno às atividades físicas deve ser progressivo, começando com exercícios físicos leves e aumentando gradualmente a carga e a intensidade. É essencial monitorar com frequência os limites de batimentos cardíacos e frequência respiratória do paciente, prevenindo assim o excesso de esforço.
A fadiga pós-COVID, um sintoma comum entre recuperados, exige uma atenção especial, podendo necessitar de ajustes no plano de retomada. O objetivo é garantir um regresso seguro ao esporte, minimizando assim o risco de recaídas ou complicações.
Início
Para todos os pacientes, o retorno deve começar com atividades leves, ajustando gradualmente a carga e a intensidade.
Monitoramento
Observe os limites da frequência cardíaca (FC) e percepção subjetiva de esforço (PSE), evitando esforço excessivo. Para utilização da FC como parâmetro de monitoramento pode-se considerar valores pré-infecção, mas com atenção de que o condicionamento físico pode ter sido afetado pela infecção e pelo destreinamento.
Nesse sentido, a PSE pode ser muito útil. Se a percepção de esforço for alta para um esforço relativamente leve, é necessário investigar sequelas musculares ou repercussões cardíacas.
Ajustes
Questões como a fadiga pós-COVID demandam cuidado particular e podem requerer modificações no plano de retorno às atividades. Pacientes com síndrome de fadiga crônica, em particular, podem experimentar um agravamento dos sintomas ao se engajarem em exercícios físicos, especialmente de alta intensidade.
Atividades físicas e exercícios físicos
Compreender a distinção entre atividade de vida diária (AVDs) e exercício físico estruturado é crucial, pois cada um contribui de maneira única para a recuperação do paciente. AVDs se referem aos movimentos naturalmente realizados no dia a dia, como caminhar até o mercado, subir escadas ou realizar tarefas domésticas.
Essas atividades, embora muitas vezes mais leves, são essenciais para manter a qualidade de vida e ajudar na transição suave para níveis de atividade mais intensos – especialmente após um período de inatividade ou recuperação de uma doença como a COVID-19.
Por outro lado, o exercício físico estruturado é caracterizado por ser planejado, repetitivo e com objetivo definido, visando melhorar um ou mais componentes da aptidão física, como força, flexibilidade ou resistência cardiovascular.
O exercício físico costuma seguir o princípio FITT (frequência, intensidade, tempo e tipo). Esse tipo de exercício é fundamental para melhorar a capacidade física do paciente. Além disso, ajuda a recuperar funções comprometidas pela doença e fortalecer o corpo contra futuras adversidades de saúde.
Todo exercício físico é uma atividade física, mas nem toda atividade física é um exercício físico.
Prática de diferentes atividades
Portanto, ao planejar o retorno às atividades físicas de um paciente recuperando-se da COVID-19, profissionais de saúde devem considerar uma progressão gradual que incorpore diferentes tipos de atividade. Iniciar com atividades físicas cotidianas leves pode ajudar a estabelecer uma base de movimento segura, minimizando o risco de exaustão ou recaída.
À medida que a recuperação progride, exercícios estruturados mais intensos podem ser introduzidos, adaptados às capacidades e limitações individuais do paciente, para promover uma recuperação integral e eficaz.
Esse equilíbrio entre atividade de vida diária e exercício estruturado permite uma abordagem personalizada e flexível, ajustando-se às necessidades específicas de cada paciente no caminho para a recuperação plena. Adicionalmente, o suporte de uma equipe multidisciplinar é crucial para otimizar os resultados.
Cuidados Específicos antes do retorno ao esporte
Pacientes que enfrentaram complicações graves, como miocardiopatias, arritmias significativas ou tromboembolismo, podem precisar de um período de restrição mais extenso (90 a 180 dias) antes de poderem retomar suas atividades. Antes do retorno ao esporte após infecção por SARS-CoV-2, uma reavaliação criteriosa é fundamental.
Para casos que exigiram hospitalização, internação em unidade terapia intensiva ou que apresentaram comprometimento cardíaco ou pulmonar significativo, é crucial realizar uma avaliação médica mais detalhada/individualizada. Se necessário, também uma série de exames para verificar possíveis sequelas e sintomas persistentes.
Após a infecção por COVID-19, alguns pacientes podem apresentar sequelas ou complicações de curto ou longo prazo. Para pacientes que visam iniciar ou retomar atividades físicas, ou que buscam uma avaliação cardíaca de rotina, recomenda-se pelo menos a realização de um eletrocardiograma (ECG) de repouso.
Este procedimento, caracterizado por sua natureza não-invasiva e alta acessibilidade, permite a análise detalhada da atividade elétrica cardíaca. Ademais, oferece dados cruciais para o diagnóstico e monitoramento de condições cardíacas sem impor desconforto significativo ao paciente ou requerer técnicas invasivas.
Exames a serem realizados
A realização de exames pós-COVID visa monitorar a recuperação do paciente, identificar potenciais complicações e guiar o tratamento adequado para quaisquer condições que possam surgir.
Aqui está um resumo dos principais exames e seus objetivos:
- Ecocardiograma com Doppler: Avalia a função e estrutura cardíaca, podendo identificar danos ao coração, valvulopatias ou distúrbios circulatórios. Importante para detectar possíveis complicações cardíacas pós-COVID;
- Radiografia de tórax: Fornece visualizações radiográficas do tórax, úteis na detecção de pneumonia, edema pulmonar, ou outras anormalidades pulmonares associadas à COVID-19;
- Teste de Esforço com ou sem monitoração do consumo de O2: Avalia a capacidade cardiorrespiratória e pode ajudar a detectar alterações na função cardíaca durante o esforço físico, algo que pode ser afetado pela COVID-19;
- Marcadores inflamatórios: Denotam a existência de processos inflamatórios sistêmicos, frequentemente observados em indivíduos acometidos pela COVID-19. Concentrações aumentadas podem indicar a necessidade de intervenção terapêutica;
- Marcadores de lesão cardíaca: Aumentos nos níveis de troponina podem indicar lesão cardíaca, que é uma complicação possível da COVID-19, especialmente em casos graves;
- Holter de 24 horas: Monitora a atividade elétrica do coração continuamente por 24 horas. Útil para detectar arritmias que podem ter sido causadas ou agravadas pela COVID-19;
- Ressonância magnética cardíaca: Oferece imagens de alta resolução do coração, facilitando a identificação de miocardite, lesões miocárdicas ou outras patologias cardíacas relacionadas à COVID-19.
Esses exames são parte de uma avaliação abrangente para garantir uma recuperação completa e o manejo adequado de complicações, se presentes. A escolha depende dos sintomas persistentes, das condições preexistentes do paciente e da gravidade da infecção por COVID-19.
Promovendo saúde mental e bem-estar
A recuperação da COVID-19 não envolve apenas a saúde física – o aspecto psicológico também é fundamental. Muitos pacientes podem experimentar ansiedade ou falta de confiança ao retomar as atividades físicas.
Portanto, é vital oferecer suporte psicológico adequado, ajudando-os a superar quaisquer barreiras mentais e incentivando uma reintegração positiva ao exercício e ao esporte.
Com uma abordagem integral e baseada em evidências, o processo de retorno ao esporte após infecção por SARS-CoV-2 não só é seguro, mas também promove uma recuperação mais completa. Afinal, abrange os aspectos físicos e mentais da saúde.
Profissionais de saúde desempenham um papel crucial nesta jornada. São figuras centrais para oferecer o suporte necessário para que seus pacientes possam retomar suas atividades físicas com segurança e confiança.
Saiba mais Vídeos em português sobre COVID longa Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. (2021). Guia de atividade física para a população brasileira. Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_atividade_fisica_populacao_brasileira.pdf Phelan, D., Kim, J.H., & Chung, E.H. (2020). A Game Plan for the Resumption of Sport and Exercise After Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Infection. JAMA Cardiology, 5(10), 1085–1086. https://doi.org/10.1001/jamacardio.2020.2136 Schellhorn, P., Klingel, K., & Burgstahler, C. (2020). Return to sports after COVID-19 infection. European Heart Journal, 41(46), 4382–4384. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehaa448 Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte & Grupo de Estudos de Cardiologia do Esporte (GECESP). (2020). Posicionamento sobre avaliação pré-participação cardiológica após a COVID-19 – Orientações para retorno à prática de exercícios físicos e esportes. Sociedade Brasileira de Cardiologia.https://www.medicinadoesporte.org.br/wp-content/uploads/2020/10/POSICIONAMENTO-SOBRE-APP-POS-COVID.pdf Wilson, M.G., Hull, J.H., Rogers, J., et al. (2020). Cardiorespiratory considerations for return-to-play in elite athletes after COVID-19 infection: a practical guide for sport and exercise medicine physicians. British Journal of Sports Medicine, 54, 1157-1161.https://doi.org/10.1136/bjsports-2020-102710 |
Diretora científica da sociedade brasileira de atividade física e saúde (SBAFS)
CREF 0006412
Doutora em Fisiologia (UFMG)