Doença renal crônica - quando suspeitar?
ATENÇÃO: O conteúdo sobre Doença Renal Crônica foi desenvolvido para profissionais e estudantes da área da saúde. Não deve ser utilizado como fonte de consultas por pessoas leigas.

O Brasil tem mais de 10 milhões de afetados por algum grau de doença renal. Desse número, 140 mil pessoas estão em hemodiálise. Em 2022, 4.828 pacientes passaram por transplante renal, o que coloca o país na terceira posição no que diz respeito ao número de procedimentos desse tipo. Além disso, resulta em um mínimo de 2,4 milhões de óbitos anualmente.

Com base nas informações da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), o Brasil testemunha a alta incidência de Doença Renal Crônica (DRC) avançada. Esse aumento leva ao expressivo número de pacientes dependentes de hemodiálise, o que não só compromete a qualidade de vida do paciente, mas sobrecarrega financeiramente o SUS.

A fim de aprimorar e ampliar o suporte oferecido às pessoas em tratamento de Doença Renal Crônica, o Ministério da Saúde reajustou em 10,3% o valor destinado à hemodiálise convencional, dentro da tabela do SUS. Um investimento total de R$600 milhões será direcionado a essa iniciativa. Apesar do objetivo nobre, os custos poderiam ser reduzidos caso a prevenção de DRC fosse efetiva.

Sabemos que pessoas que sofrem de Doença Renal Crônica enfrentam um risco três vezes maior de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares em comparação com aqueles sem essa condição. Eventos como:

  • Angina;
  • Infarto;
  • Morte súbita;
  • Acidente vascular cerebral e suas sequelas.

Como resultado, os portadores de DRC têm probabilidade substancialmente maior de enfrentar resultados fatais em comparação com a progressão para um estágio terminal da doença renal.

Sabendo que em uma grande parcela dos casos de Doença Renal Crônica os fatores de risco são preveníveis e até mesmo tratáveis, é fundamental compreender a patologia, como faremos a seguir!

O que é a Doença Renal Crônica?

De forma geral, a Doença Renal Crônica se caracteriza pelas lesões nos rins que persistem por um período igual ou superior a três meses. O estágio final desse processo é mais reconhecido como insuficiência renal crônica, requerendo a realização de diálise ou um transplante renal para a manutenção da vida.

A Doença Renal Crônica engloba transformações complexas que afetam a estrutura e a operação dos rins. Essa operação não envolve apenas a depuração realizada por eles, mas também a regulação do volume plasmático e de outros íons como:

  • H+ e bicarbonato (base do equilíbrio ácido básico);
  • Sódio;
  • Potássio; 
  • Fósforo;
  • Cálcio.

Além dos íons, regula a produção de hormônios como:

  • Renina: secretada pelas células justaglomerulares dos rins, desempenha um papel fundamental no controle da pressão arterial e do equilíbrio de fluidos no corpo. Afinal, inicia o sistema renina-angiotensina-aldosterona;
  • Eritropoietina: produzida pelas células intersticiais renais, é responsável por estimular a produção de glóbulos vermelhos na medula óssea, influenciando a homeostase dos glóbulos vermelhos e a oxigenação do sangue;
  • Calcitriol (Vitamina D ativa): o rim converte a vitamina D em sua forma ativa, calcitriol, que desempenha um papel crucial na regulação dos níveis de cálcio e fosfato no corpo. Além disso, envolve-se na saúde dos ossos e no sistema imunológico;
  • Prostaglandinas: o rim também produz prostaglandinas, hormônios envolvidos em várias funções, incluindo a regulação da pressão arterial, o controle da inflamação e a manutenção do fluxo sanguíneo renal;
  • Peptídeo Natriurético Atrial (ANP) e Peptídeo Natriurético Tipo B (BNP): produzidos em resposta ao aumento da pressão sanguínea, estão envolvidos na regulação do equilíbrio de sódio e água, bem como na dilatação dos vasos sanguíneos.

Quaisquer lesões ou insultos que provoquem disfunção renal, sejam pré-renais, renais ou pós renais, podem levar à:

  • Insuficiência da depuração renal;
  • Insuficiência na produção dos hormônios apresentados.

Origem e prognósticos

É importante pontuar que a Doença Renal Crônica possui múltiplas origens e vários indicadores prognósticos. O distúrbio apresenta um curso prolongado, evoluindo gradualmente e, na maior parte do período, é silencioso em seus sintomas. Inúmeros elementos estão vinculados tanto à origem quanto ao avanço em direção à deterioração da função renal. 

Portanto, é crucial identificar pessoas com predisposição ao desenvolvimento da Doença Renal Crônica, ou que apresentem disfunção renal leve e silenciosa, que muitas vezes é reversível. Assim, torna-se possível viabilizar um diagnóstico e abordagem mais precoces e, consequentemente, um melhor prognóstico. Para isso, é importante compreender quais os principais fatores de risco para DRC. 

Quais os principais fatores de risco para a Doença renal crônica?

Muitos são os fatores de risco para o desenvolvimento de Doença Renal Crônica. No entanto, nesse tópico não será avaliado apenas o que pode levar ao desenvolvimento da doença. Veremos também os preditores para uma pior progressão, isto é, marcadores de que o paciente com DRC tem pior prognóstico para perda de função renal ao longo da evolução clínica.

Geralmente, estão sob o risco de desenvolver DRC:

  • Pessoas com diabetes (quer seja do tipo 1 ou do tipo 2);
  • Pessoas hipertensas;
  • Idosos;
  • Portadores de obesidade (IMC > 30 Kg/m²);
  • Antecedentes de condições relacionadas ao sistema circulatório (doença coronariana, acidente vascular cerebral, doença vascular periférica e insuficiência cardíaca);
  • Histórico de DRC na família;
  • Tabagismo;
  • Uso de medicamentos ou de substâncias nefrotóxicas.

Já quem tem risco de pior prognóstico são:

  • Pessoas com níveis pressóricos mal controlados;
  • Pessoas com níveis glicêmicos mal controlados;
  • Pessoas com níveis de colesterol mal controlados;
  • Pessoas portadoras de doenças inflamatórias, sobretudo autoimunes;
  • Diferentes estágios da Doença Renal Crônica (DRC), com uma inclinação para uma deterioração renal mais rápida em fases mais avançadas da doença;
  • Presença e intensidade de albuminúria, sendo que níveis mais elevados de albuminúria estão associados a um prognóstico pior em relação à perda de função renal;
  • Tabagismo;
  • Uso de agentes nefrotóxicos.

Além de todos esses fatores que contribuem para o desenvolvimento e pior prognóstico da Doença Renal Crônica, existem muitos outros no app Blackbook.

Diagnóstico da DRC: quais os achados na anamnese, nos exames físicos e nos exames complementares?

O diagnóstico da doença renal crônica pode ser um desafio para muitos médicos, principalmente no início do desenvolvimento da patologia. Afinal, na maioria dos casos, ela é assintomática nessa fase. Em geral, as manifestações clínicas da DRC surgem em estágios mais avançados da doença, quando os rins se tornam incapazes de manter suas funções.

Sinais e sintomas como descontrole pressórico, edema, congestão pulmonar, anemia, acidose e diversas outras complicações, muitas vezes só podem ser observados quando o paciente já não pode mais se beneficiar de controle da doença de base a fim de evitar a progressão da doença renal. Assim sendo, a identificação e abordagem precoce dos casos leves e assintomáticos de doença renal é essencial para a eficácia do tratamento.

Como fazer o rastreamento na fase inicial da doença?

Uma vez que trata-se de uma doença de início silencioso, é aconselhável realizar, regularmente, a avaliação da creatinina (com estimativa da taxa de filtração glomerular). Também se indica a detecção de proteinúria por meio do teste com fita, especialmente em pacientes com risco elevado. É o caso daqueles com diabetes mellitus, hipertensão arterial, bem como pacientes com histórico pessoal ou familiar de doença renal. 

Imagem 1: Como interpretar o risco em casos assintomáticos de Doença renal crônica?  (Imagem do autor)

E após surgir a sintomatologia de Doença Renal Crônica?

Após o surgimento dos sintomas é mais sugestiva a suspeita de Doença Renal Crônica, sendo as manifestações a seguir as principais encontradas durante a anamnese e exame físico do paciente que procura o serviço de saúde.

Principais achados clínicos na HMA e no exame físico na Doença renal crônica
Imagem 2: Quais os principais achados clínicos na HMA e no exame físico na Doença renal crônica? (Imagem do autor)

Como confirmar o diagnóstico, de fato?

Para identificar pacientes com Doença Renal Crônica, existem recursos diagnósticos como a Taxa de Filtração Glomerular (TFG), análise sumária de urina (EAS) e, idealmente, um exame de imagem. É o caso da ultrassonografia dos rins e das vias urinárias. Sendo assim, vamos avaliar a seguir cada recurso diagnóstico.

Taxa de filtração glomerular

A fim de avaliar a Taxa de Filtração Glomerular (TFG), o conselho é evitar a utilização da depuração de creatinina medida por meio da coleta de urina durante 24 horas. Isso por causa do potencial de imprecisões na coleta e das dificuldades temporais envolvidas. É mais indicado empregar fórmulas que estimem a TFG com base na creatinina sérica.

As principais fórmulas recomendadas para esse cálculo são Cockroft-Gault, CKD-EPI e a MDRD.

  • Cockroft-Gault

Clearance estimado = peso em kg x (140 – idade em anos) / (72 x creatinina sérica)

Para mulheres, multiplicar o resultado encontrado por 0,85.

Exemplo: Mulher de 60 kg e 56 anos e creatinina de 1,4 mg/dL:

Filtração glomerular = [60 x (140 – 56)] ÷ (72 x 1,4)}  x 0,85 = 43 mL/minuto/1,73 m².

Entendeu como funciona a fórmula de Cockroft-Gault? Para revisar as outras duas fórmulas basta dar uma olhada na rotina “Doença Renal Crônica – No Adulto” no app Blackbook.

EAS

Mudanças no tecido renal podem ser identificadas por meio do exame sumário de urina (EAS) ou pela avaliação da albuminúria, que é a presença de albumina na urina. O EAS deve ser realizado em todos os pacientes sob risco de Doença Renal Crônica. 

Em pacientes diabéticos e hipertensos com resultados de EAS mostrando ausência de proteinúria, recomenda-se a pesquisa de albuminúria por meio da Relação Albuminúria/Creatininúria (RAC). Para isso, utiliza-se uma amostra isolada de urina corrigida pela quantidade de creatinina. 

Classificação da RAC:

  • Normal < 30 
  • Microalbuminúria 30 – 300
  • Macroalbuminúria > 300

No que diz respeito à presença de sangue na urina, vale considerar a possibilidade de sangramento de origem glomerular. Isso é definido pela identificação de cilindros de sangue ou pela presença de diferentes formas de células vermelhas no EAS. 

Caso haja necessidade, um especialista fica responsável pelas análises mais aprofundadas, como biópsia renal (histologia) ou avaliação de desequilíbrios eletrolíticos típicos de lesões nos túbulos renais. 

Exame de imagem

A avaliação de imagem ocorre para indivíduos com história de DRC familiar, infecção urinária de repetição e doenças urológicas. Para isso, o exame de imagem preferido é a ultrassonografia dos rins e vias urinárias.

Qual a evolução da Doença Renal Crônica?

Em geral, à medida que a função renal diminui, os néfrons remanescentes precisam trabalhar mais intensamente para compensar a perda de função dos que foram lesados. No entanto, após certo tempo, o número e a capacidade funcional dos néfrons remanescentes podem se tornar insuficientes para manter a filtração e regulação adequadas dos resíduos no organismo. Logo, temos um declínio mais acentuado da função renal. 

Esse é o ponto em que a esclerose progressiva pode se instaurar e a necessidade de tratamentos mais agressivos, como diálise ou transplante, se torna iminente. Cada paciente pode ter esse ponto de virada diferente. Por isso, a atenção contínua à função renal e o acompanhamento médico são vitais para evitar a progressão descontrolada da doença.

Para otimizar a organização do tratamento de pacientes com Doença Renal Crônica e prever o prognóstico, é fundamental, após o diagnóstico, categorizar todos os pacientes de acordo com os critérios apresentados a seguir.

Essa classificação está intimamente ligada ao prognóstico, com foco especialmente nos desfechos primordiais da DRC, que incluem doença cardiovascular, progressão para insuficiência renal terminal e taxa de mortalidade.

Classificação da doença renal crônica
Imagem 3: Classificação da doença renal crônica (Imagem do autor)

Como tratar a Doença Renal Crônica?

Agora que ficou claro como classificar cada estágio, é importante compreender o que abrange cada forma de tratamento. Então, vamos conferir?

Abordagem conservadora

A abordagem conservadora do tratamento visa a gerenciar os fatores que influenciam o avanço da Doença Renal Crônica, assim como os riscos relacionados a eventos cardiovasculares e mortalidade. O objetivo é preservar a Taxa de Filtração Glomerular (TFG) pelo maior período possível.

Pré-diálise

A fase pré-diálise engloba tanto a manutenção do tratamento conservador quanto a preparação adequada para a eventual Terapia de Reposição Renal (TRS) em pacientes com DRC em estágios avançados. 

TRS

A Terapia de Reposição Renal (TRS), como previamente definida, abrange várias abordagens de substituição da função renal, incluindo hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal.

Agora que vimos um pouco do enfoque do plano terapêutico para cada estágio de Doença Renal Crônica, vale a pena conferir o plano terapêutico detalhado para cada estágio na rotina do app Blackbook. Então, aproveite os 7 dias de teste gratuito para conferir o conteúdo completo!