ATENÇÃO: O conteúdo a seguir foi desenvolvido para profissionais e estudantes da área da saúde. Não deve ser utilizado como fonte de consultas por pessoas leigas. |
A recente divulgação em massa de diversos casos de efeitos colaterais relacionados ao uso de zolpidem tem chamado a atenção para a importância da segurança relativa à prescrição de medicamentos indicados para o tratamento da insônia.
Com o advento das tecnologias que tornaram o acesso à grande quantidade de informações muito mais fácil, a preocupação é ainda maior. Afinal, percebe-se a propagação de informações, por parte de pessoas leigas, recomendando o uso de medicamentos de forma aleatória sob o mandamento “foi muito bom pra mim, então, será bom pra você”.
Não é desconhecido para ninguém a facilidade para se comprar medicamentos, independentemente da cor da tarja ou da necessidade de retenção de receita. Assim, vão aumentando os casos de reações adversas e prejuízo da saúde, a curto ou longo prazo.
Nas próximas linhas, segue uma reflexão sobre o tratamento de insônia, o uso de medicamentos e a responsabilidade do profissional da saúde nesses casos. Confira!
A escolha do tratamento para insônia
Ansiedade, depressão e estresse são apenas alguns problemas que podem levar às dificuldades relacionadas ao sono. Some a isso a baixa tolerância à frustração e outros problemas cotidianos e teremos uma enorme gama de pessoas recorrendo a modos “mais fáceis” de resolver a insônia.
Toda orientação é válida nesse contexto. Medicamentos que induzem o sono, como hipnóticos do grupo Z (zolpidem, zopiclona, eszopiclona) e benzodiazepínicos (clonazepam, diazepam, alprazolam), podem e devem ser recomendados pelos médicos em situações adequadas.
Inclusive, esses medicamentos são seguros se forem indicados para o perfil do paciente e, principalmente, se tomados pelo período de tempo recomendado.
A higiene do sono ainda é o melhor método para tratamento da insônia, aliado a práticas psicoterapêuticas, quando necessário. A mudança de hábitos, porém, pode ser muito difícil para o indivíduo. Quando ele encontra uma forma rápida e eficiente de resolver o problema, como um comprimido, facilmente pode utilizá-la como uma muleta.
Não é incomum que o médico prescreva um tratamento que deveria durar apenas 2 ou 3 semanas e nunca mais tenha notícias do paciente.
O caso zolpidem
Notícias recentes envolvendo os efeitos colaterais do zolpidem (Stilnox®, Patz®) trouxeram à tona os perigos que envolvem o uso mal orientado, como as crises de sonambulismo e alucinações.
A orientação é ingerir o medicamento imediatamente antes de deitar, ou já deitado, e não levantar mais. Mas muitas pessoas tomam o comprimido e ainda vão realizar outras tarefas, o que favorece a ocorrência desses efeitos alucinatórios.
Além disso, os comentários em redes sociais e reportagens evidenciam pessoas que fazem uso do medicamento há anos – tratamento que, se necessário de fato, deveria ser proposto por um período máximo de 6 meses, idealmente menos de um mês.
Outros medicamentos para insônia
Mas não é apenas o zolpidem que entra na lista de medicamentos que se tornam de “uso contínuo” por causa da dependência psicológica. Os benzodiazepínicos são utilizados para o tratamento da insônia há muito mais tempo e vigoram entre as substâncias mais consumidas em todo o mundo.
Somente no Brasil, estima-se que mais de 2% da população adulta utiliza esses medicamentos, sendo que os maiores consumidores são idosos.
Os efeitos do uso a longo prazo estão bem estabelecidos: déficit cognitivo e motor, perda de memória e demência são apenas alguns dos mais publicados.
A dependência física é uma das maiores dificuldades para retirada do medicamento. Enquanto isso, os sintomas da síndrome de abstinência (tontura, insônia, tremores, alucinações, náusea, cefaleia, convulsões) podem ser difíceis de suportar e até oferecer risco. A tolerância é outro problema, pois induz ao aumento da dosagem pelo próprio paciente e, consequentemente, aumento dos riscos.
A responsabilidade do médico no tratamento de insônia
O mais importante ao se discutir a segurança de um medicamento é ter certeza de que o paciente foi bem orientado. A data de início e a data de término – ou pelo menos o retorno – devem estar muito bem estabelecidos.
É importante deixar claro o risco de dependência física (menor com medicamentos do grupo Z), como ela ocorre e quais são as formas de contorná-la. Mais do que isso, é importante explicar sobre a dependência psicológica e os efeitos que podem acontecer com o uso por tempo prolongado.
Todo profissional de saúde precisa aceitar sua parcela de responsabilidade no tratamento das dependências químicas. Muito se fala em parar de fumar, perigos do álcool e do uso de substâncias ilícitas, mas vemos poucas iniciativas de combate ao uso indiscriminado de medicamentos.
Ainda não é hábito do profissional questionar sobre quais medicamentos o paciente toma e, principalmente, há quanto tempo. O tratamento de qualquer problema de saúde deve ser precedido de questionamentos sobre o histórico de saúde, uso de medicamentos, estilo de vida, nível de exposição solar e a rotina do paciente.
Não adianta apenas dizer a uma pessoa sedentária que ela precisa caminhar porque a atividade física vai ajudar a dormir – o medicamento também ajuda e com muito menos esforço.
Tome como exemplo
Se o médico conhece a rotina do paciente, pode direcionar melhor as informações que acompanham o receituário. Se, por exemplo, a prescrição será para um médico cirurgião, ou um bombeiro, ou outro profissional que atenda emergências em momentos variados do dia ou da noite, a principal orientação é: tomar o medicamento apenas quando tiver certeza que não precisará fazer um atendimento, ou, quando possível, informar alguém que tomou o medicamento e não pode ser chamado.
Logo, esse paciente não deverá tomar o medicamento para dormir um pouco entre um plantão e outro, para não correr o risco de apresentar alguma reação inconveniente (alucinação, tontura, sonolência) enquanto trabalha.
Outras orientações a pacientes
Orientações simples podem evitar o aparecimento de muitos efeitos colaterais desagradáveis. Para o uso de benzodiazepínicos, é importante ensinar ao paciente sobre o tempo de funcionamento e como avaliar se o organismo está apto a realizar tarefas que exijam atenção, como dirigir.
Se o paciente faz uso de bebida alcoólica, proibir o consumo pode não resolver. Mas explicar sobre os riscos de parada cardiorrespiratória e estabelecer um intervalo de tempo confiável vai ajudá-lo e aumentar o vínculo de confiança com o médico.
A recomendação é adotar um pensamento similar quando se trata de retirar o medicamento. Essa retirada envolve muitos cuidados, que começam pelo oferecimento de suporte psicológico e vão até a prescrição de medicamentos auxiliares, antes mesmo de se iniciar a redução da dose.
Quando a vontade de parar parte do próprio paciente, a chance de sucesso é muito grande. Porém, se o profissional precisa fazer essa recomendação, deve ter muito cuidado, pois a forma de abordar o problema pode fazer com que o paciente nunca mais retorne.
Para refletir
Ter uma vida saudável não é fácil. Uma rotina com alimentação de qualidade, prática regular de atividade física e noites bem dormidas pode ser realidade para algumas pessoas, enquanto parece impossível de alcançar para outras – incluindo aqueles que orientam essas mudanças de vida.
Quantos médicos e enfermeiros conhecemos que dormem apenas algumas horas por dia e mal têm tempo de fazer um lanche entre um plantão e outro? Essas e outras profissões estão ligadas ao estresse e à correria, exigindo disciplina e controle para manter a saúde física, mental e emocional.
A pandemia de covid-19 também contribuiu muito para o sedentarismo. Atividades mínimas, como andar do ponto de ônibus ou do estacionamento até o local de trabalho foram abolidas com o home office, sem falar nas milhares de promoções de entrega de comida pouco saudável.
Aliemos a isso a internet cada vez mais rápida e os vários canais de entretenimento que nos prendem ao sofá. Estamos vivendo em uma sociedade que adoece pelas facilidades. Mas cabe aos profissionais de saúde a responsabilidade de incentivar mudanças, priorizando ações de prevenção sempre que possível.
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Mestra em Medicamentos e Assistência Farmacêutica pela UFMG
Farmacêutica editora na Blackbook desde 2016
fernanda@blackbook.com.br
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