Equipe médica realiza atendimento de emergência em paciente inconsciente
ATENÇÃO: O conteúdo a seguir sobre rebaixamento do nível de consciência e Escala de Coma de Glasgow foi desenvolvido para profissionais e estudantes da área da saúde e não deve ser utilizado como fonte de consultas por pessoas leigas.

Uma das situações mais críticas no plantão é se deparar com um com rebaixamento do nível de consciência. A Escala de Coma de Glasgow é essencial para avaliar a gravidade do quadro, mas é apenas um dos passos.

Depois de pontuar o paciente, como conduzir a investigação? Quais exames pedir? Quando intubar? Como diferenciar causas neurológicas das metabólicas?

Este artigo responde algumas perguntas sobre a avaliação e o manejo de pacientes críticos com base em protocolos internacionais e diretrizes atualizadas — tudo com aplicação prática imediata.

👉 Se você ainda não domina a Escala de Glasgow, leia primeiro este outro artigo: O guia para compreender a Escala de Coma de Glasgow

Começando pelo básico: ABCDE

Todo paciente com rebaixamento do nível de consciência deve ser inicialmente avaliado com o protocolo ABCDE das prioridades iniciais:

  • A (Airway): garantir via aérea pérvia e estabilização da coluna cervical (quando necessário)
  • B (Breathing): respira adequadamente?
  • C (Circulation): sinais de perfusão, controle de hemorragias
  • D (Disability): nível de consciência (Escala de Glasgow)
  • E (Exposure): avaliar o corpo inteiro e manter a temperatura

Outras condutas emergenciais no paciente com rebaixamento do nível de consciência

Avaliar caso a caso, a necessidade de:

  • Estabelecer acesso venoso e manter perfusão com fluidos intravenosos;
  • Monitorar pressão arterial e manter níveis adequados;
  • Providenciar suplementação de oxigênio e monitorar hipoxemia;
  • Fazer a glicemia capilar e corrigir se estiver abaixo de 70 mg/dL;
  • Manter a temperatura corporal;
  • Tratar e prevenir quadros convulsivos.

A hipoglicemia é uma causa comum e reversível de rebaixamento do nível de consciência e, por isso, a reposição de glicose deve ser iniciada imediatamente se os exames detectarem necessidade, ou mesmo preventivamente, caso não seja possível medir a glicemia. Em pacientes com risco nutricional, recomenda-se administrar tiamina IV antes ou junto com a glicose para prevenir ou tratar encefalopatia de Wernicke.

💡Na suspeita de uso excessivo de opioides, administrar naloxona – a melhora rápida confirma o diagnóstico.

Quando indicar intubação?

A intubação orotraqueal geralmente está indicada em pacientes com Glasgow ≤ 8, especialmente em pacientes com lesão cerebral traumática. No entanto, outras situações também podem influenciar na decisão de intubar:

  • Hipoxemia persistente, apesar de oxigenação suplementar
  • Sinais clínicos de herniação cerebral
  • Suspeita de intoxicação com risco de broncoaspiração
  • Evidências de aspiração (vômitos, secreções)

Pacientes com Glasgow entre 9 e 12 requerem monitoramento intensivo, reavaliação frequente e atenção especial ao padrão respiratório e alteração pupilares.

Sinais de herniação cerebral iminente incluem:

  • Assimetria pupilar significativa, pupilas fixas e dilatadas unilateral ou bilateralmente (compressão do nervo oculomotor)
  • Posturas anormais: decorticação (flexão) ou descerebração (extensão)
  • Depressão respiratória ou padrões respiratórios patológicos, como Cheyne-Stokes ou ataxia respiratória
  • “Tríade de Cushing”: hipertensão, bradicardia e respiração irregular

Caso algum desses sinais seja identificado, é importante investigar e tratar o mais rápido possível para evitar danos irreversíveis.

Manejo inicial da pressão intracraniana (PIC):

O diagnóstico de elevação da pressão intracraniana (PIC) envolve sinais e sintomas clínicos e, quando possível, resultados de exames de imagem. A monitorização da PIC é realizada por procedimento invasivo e está associada a riscos para o paciente, por isso é recomendada apenas nos casos em que a suspeita é evidente.

Os procedimentos para evitar ou reduzir a PIC envolvem:

  • Elevar a cabeceira a 30°;
  • Manter normocapnia (ou hiperventilação leve se houver sinais de herniação) de forma transitória, até neuroimagem;
  • Considerar manitol ou solução salina hipertônica até avaliação definitiva.

Em pacientes já intubados, considerar o uso da escala de coma FOUR score (Full Outline of UnResponsiveness, ou “esboço completo da falta de resposta”), que avalia reflexos do tronco e padrão respiratório — pontos não cobertos pela escala de Glasgow.

Critérios da escala de coma de FOUR
Interpretação da escala de FOUR
16 pontos: estado de consciência normal.
0 pontos: suspeita de morte cerebral.
Quanto menor a pontuação, pior é o estado mental do paciente.

Exames que não podem faltar

Após avaliação com o ABCDE e estabilização do paciente, dar sequência com a investigação etiológica. No entanto, em alguns casos essa investigação depende da avaliação inicial do quadro e do relato de parentes e testemunhas que possam oferecer informações sobre o acontecimento e sobre o paciente.

Os exames iniciais incluem:

  • Tomografia computadorizada de crânio sem contraste
  • Eletrólitos, funções renal e hepática
  • Gasometria arterial
  • Alcoolemia e toxicológico (sangue e urina)
  • Hemograma, coagulograma, função tireoidiana
  • Punção lombar, se houver suspeita infecciosa

Em pacientes com quadro abrupto, pensar em AVC de tronco, especialmente se Glasgow < 9 e TC inicial normal. Além disso, nesses casos, solicitar angiotomografia cerebral.

Conduta inicial no paciente com rebaixamento do nível de consciência

Fluxograma clínico com conduta inicial diante de paciente com rebaixamento do nível de consciência

Muitos casos de coma e rebaixamento do nível de consciência são causados por distúrbios metabólicos ou tóxicos, enquanto outros são estruturais, como AVC, TCE ou tumores.

Esta tabela ajuda a orientar o raciocínio clínico:

CaracterísticasCausa estruturalCausa metabólica/tóxica
InícioSúbitoGradual
Exame neurológicoSinais focais (ex: hemiparesia)Achados simétricos
PupilasAssimétricas ou não reativasNormais ou simétricas
RespiraçãoPadrões anormais localizatóriosHiperventilação ou respiração lenta
TC de crânio inicialGeralmente alteradaPode ser normal
ExemplosHematoma, tumor, AVC extensoCetoacidose, uremia, hiponatremia, encefalopatia hepática, álcool, sedativos/opioides
Diferenças entre causas estruturais e metabólicas do coma.

Diagnósticos diferenciais importantes

Além das causas já citadas, é essencial pensar em outras condições que mimetizam coma:

  • Estado de mal epiléptico não convulsivo (EEG pode ser decisivo)
  • Encefalopatia hepática ou urêmica
  • Meningoencefalites virais ou bacterianas
  • AVC de tronco (TC normal no início)
  • Síndrome do encarceramento (consciente, mas imóvel)
  • Pseudocoma de origem psiquiátrica

Além disso, alterações pupilares (anisocoria, midríase, miose) e padrão respiratório ajudam a localizar lesões em tronco cerebral. Reflexos do tronco cerebral — como o corneano, oculocefálico e oculovestibular — também devem ser avaliados. A ausência desses reflexos pode indicar lesão grave.

Condutas específicas em casos críticos com rebaixamento do nível de consciência:

  • Suspeita de estado de mal epiléptico → solicitar EEG de urgência e iniciar benzodiazepínico
  • Suspeita de meningoencefalite → iniciar antibiótico empírico antes mesmo da punção lombar

Populações específicas:

  • Em idosos, as causas comuns incluem distúrbios hidroeletrolíticos e infecções;
  • Em crianças, é importante utilizar escalas pediátricas de coma e considerar causas como convulsões febris ou traumas não evidentes.

Conclusão

O rebaixamento do nível de consciência exige uma abordagem rápida, estruturada e sistemática, e, por isso, a conduta deve ser imediata. A aplicação da Escala de Coma de Glasgow é apenas um dos passos iniciais desse processo, que demanda desenvoltura e experiência. Além disso, a correta identificação da causa — estrutural, tóxica, metabólica ou infecciosa — depende de um exame físico direcionado e de exames complementares bem escolhidos.

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Referências

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