Prescrição de vitamina D: qual a real necessidade?

A prescrição de vitamina D ganhou popularidade nas últimas décadas, sendo a vitamina associada a várias funções importantes, desde a saúde óssea à imunidade. A popularidade crescente, porém, tem provocado uma onda de exames, suplementações empíricas e automedicação. Hoje é muito fácil encontrar vitamina D para comprar, com inúmeras marcas e diferentes dosagens disponíveis no mercado. A dúvida, porém, permanece: quem realmente precisa de vitamina D e quando a suplementação é indicada? Funções e vias de obtenção: base para uma prescrição de vitamina D segura A vitamina D, ou colecalciferol (25(OH)D), é um pró-hormônio esteroide cuja forma biologicamente ativa — o calcitriol — atua na regulação do remodelamento ósseo, na contração muscular e em múltiplos processos imunológicos. A principal via de obtenção é a síntese cutânea, responsável por 80 a 90% da produção endógena, e é desencadeada pela exposição da pele à radiação ultravioleta B (UVB), sem uso de protetor solar. Entretanto, o mesmo espectro de radiação UV que ativa a síntese pode causar dano celular e aumentar o risco de câncer de pele, o que torna controverso o uso da exposição solar como estratégia isolada de reposição. As fontes alimentares naturais — como peixes gordurosos, ovos e cogumelos expostos ao sol — fornecem pequenas quantidades do nutriente, geralmente insuficientes para corrigir deficiências significativas. A reposição pode ser realizada por via oral, com suplementos ou formulações específicas, mas o método mais seguro para garantir o aporte adequado do nutriente e avaliar a prescrição de vitamina D deve ser definido de acordo com o contexto clínico e a realidade de cada paciente. Vitamina D no Brasil: prevalência e impacto na prescrição clínica Estudos estimam que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo tenham níveis séricos insuficientes de vitamina D. No Brasil, a prevalência gira entre 40% e 60% da população urbana, mesmo em regiões ensolaradas. Em idosos institucionalizados, os índices podem ultrapassar 80%. Essa prevalência elevada reforça que a prescrição de vitamina D deve ser criteriosa, especialmente em populações de risco. Dessa forma, os principais fatores associados à deficiência incluem: E o rastreamento? Vale a pena pedir o exame? Antes de considerar a suplementação ou prescrição de vitamina D, é fundamental identificar se há indicação real para testagem. Para indivíduos saudáveis, as evidências clínicas não sustentam o rastreamento universal com dosagem de 25(OH)D e, por isso, a testagem deve ser restrita a: Qual valor considerar ideal? No Brasil, a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) propõem os seguintes valores de referência: Classificação Valor de 25(OH)D Deficiência < 20 ng/mL Adequado para a maior parte da população até 65 anos 20 a 60 ng/mL Ideal para pacientes vulneráveis* 30 a 60 ng/mL Risco de intoxicação ≥ 100 ng/mL * Idosos e pessoas com quedas frequentes, pós-cirurgia bariátrica, gestantes, uso de medicamentos que interferem no metabolismo da vitamina D e pacientes com osteoporose, hiperparatireoidismo secundário, osteomalácia, diabetes tipo 1, câncer, doença renal crônica ou má absorção. Valores de referência de vitamina D na população brasileira segundo consenso da SBPC/ML e da SBEM (2020) Esses limites, entretanto, variam entre entidades. A Endocrine Society chegou a sugerir o intervalo de 30 a 50 ng/mL como ideal para adultos com risco aumentado, mas atualmente não define mais um valor alvo específico para populações saudáveis, dado que não há evidência de benefício clínico claro acima de certos limiares. Novas diretrizes: o que diz a Endocrine Society (2024)? Por fim, o guideline de 2024 da Endocrine Society (EUA) atualizou radicalmente a abordagem para prevenção de doenças com vitamina D, com base em desfechos estabelecidos ou não em ensaios clínicos. As recomendações são: Além disso, a diretriz recomenda que, quando necessário, a suplementação seja feita com doses diárias contínuas, evitando esquemas intermitentes com altas doses. Como fazer uma prescrição de vitamina D com segurança? Na prática clínica, a prescrição de vitamina D deve ser baseada em avaliação clínica e fatores de risco, e precisa ser individualizada. Além disso, somente indivíduos com condições clínicas específicas que justifiquem o uso devem receber suplementação. Por fim, a deficiência confirmada em exame laboratorial, quando isolada, não justifica suplementação automática em adultos saudáveis. Embora a radiação UVB seja responsável pela maior parte da síntese cutânea de vitamina D, as diretrizes atuais não recomendam a exposição solar como estratégia terapêutica devido ao risco de danos dermatológicos. Quando indicada, a suplementação geralmente começa com doses mais altas por curto período, seguidas de doses menores para manutenção. Mas o mais importante é que seja acompanhada por profissionais, com reavaliação periódica. O risco do excesso: um alerta necessário A vitamina D é lipossolúvel e se acumula no organismo. A hipervitaminose D pode causar hipercalcemia, nefrocalcinose, arritmias e lesão renal. Entre os anos 2000 e 2011, os EUA registraram um aumento de 23 vezes nas notificações de intoxicação, enquanto, no Brasil, já foram relatados casos de falência renal e intoxicação grave por suplementos manipulados mal dosados. O risco aumenta com automedicação, uso de megadoses e múltiplos suplementos simultâneos. É importante destacar que muitas apresentações de vitamina D disponíveis no país são enquadradas como suplementos alimentares. Além disso, nessa categoria, o controle de qualidade exigido pela ANVISA não é tão rigoroso quanto aquele aplicado a medicamentos sob prescrição, o que pode resultar em maior variabilidade entre marcas. Por isso, a facilidade de acesso, os preços variados e a ausência de acompanhamento profissional aumentam o risco de ingestão inadvertida de doses inadequadas. Por isso, torna-se essencial investigar rotineiramente, durante a consulta, o uso de suplementos e medicamentos. Quando houver indicação de suplementação, é fundamental esclarecer o tempo de uso, a forma correta de acompanhamento e, sempre que possível, orientar sobre produtos com qualidade comprovada. E o contexto brasileiro? As diretrizes internacionais sugerirem cautela, mas, ainda assim, o Brasil enfrenta desafios próprios, como insegurança alimentar, lacunas nos protocolos (muitos profissionais ainda utilizam referências defasadas) e prevalência elevada de hipovitaminose. Isso exige individualização das condutas e necessidade de atualização periódica dos valores de referência, da conduta clínica e do rastreamento baseado
Penicilina V é primeira escolha para faringite estreptocócica?


ATENÇÃO: O conteúdo a seguir foi desenvolvido para profissionais e estudantes da área da saúde. Não deve ser utilizado como fonte de consultas por pessoas leigas. Atualmente, com tanta facilidade de acesso, é comum que profissionais e instituições da área de saúde utilizem protocolos internacionais reconhecidos para o diagnóstico e o tratamento de doenças comuns em nosso meio. Alguns exemplos muito conhecidos são o AHA (American Heart Association) e o JNC (Joint National Committee), utilizados na hipertensão arterial, o GINA (Global Initiative for Asthma) na asma e o GOLD (Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease) para DPOC. Esses protocolos são extremamente confiáveis, desde que as metodologias e técnicas utilizadas sejam adaptadas para nossa realidade. Nesse contexto, é importante considerar algumas diferenças clássicas que podem existir entre os esquemas de tratamento recomendados em outros países e aqueles que temos disponíveis em nosso meio. Um grande exemplo é o tratamento da faringite estreptocócica, muito comum no mundo inteiro. Essa infecção é tratada com antibioticoterapia, e os protocolos e compêndios internacionais recomendam como primeira escolha o uso de penicilina V oral, ou fenoximetilpenicilina. As doses recomendadas são 250 mg para crianças até 27 kg e 500 mg para crianças acima de 27 kg e adultos, 2 a 3 vezes ao dia durante 10 dias. Ora, essa formulação está amplamente disponível no mercado internacional, seja na forma de cápsula (250 ou 500 mg) ou de suspensão oral (125 ou 250 mg/5 mL), além de possuir apresentações genéricas de diversos fabricantes. No Brasil, todavia, a realidade é outra: possuímos apenas uma marca de referência e uma de similar. A formulação deles é muito diferente, com comprimidos de 500.000 UI (ou 312,5 mg) e suspensão oral de 400.000 UI/5 mL (ou 250 mg/5 mL). Quando o mercado disponibiliza apenas 1 ou 2 marcas, normalmente, se espera um preço mais elevado. Além disso, para adequar a posologia à recomendação internacional, precisaríamos utilizar apenas a suspensão oral, cuja dose é equivalente em mg, mas que tem validade de apenas 7 dias após o preparo. Isso torna necessário a compra de pelo menos 2 frascos para se completar o tratamento de 10 dias. Todas essas dificuldades tornam o uso desse medicamento quase restrito por aqui. A recomendação de rotina para o tratamento oral é a amoxicilina, disponível no SUS ou fácil de comprar em drogarias por um preço razoável, e com posologia confortável. Essa comparação foi feita para nos lembrar de que nem tudo que é recomendado, é acessível. Quando o tratamento é focado no paciente, a adesão é mais facilmente alcançada, e isso é fundamental nos casos de infecção. Não deixe de ver a rotina atualizada no app Blackbook para o tratamento de faringites e amigdalites em adultos e em crianças. É onde os principais esquemas são abordados, com indicação de escolhas e alternativas de tratamento disponíveis no nosso mercado. Se ainda não tem acesso ao conteúdo completo em rotinas e medicamentos para profissionais da saúde, baixe agora o app Blackbook! Fernanda CamposMestra em Medicamentos e Assistência Farmacêutica pela UFMG Farmacêutica editora na Blackbook desde 2016 fernanda@blackbook.com.br