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Abordagem da obesidade infantil: um tema essencial na medicina moderna

Abordagem humanizada da obesidade infantil

A obesidade é um dos assuntos mais importantes da medicina moderna, não só da pediatria. Independentemente da área médica em que você atua, não será mais uma opção não atender pacientes com excesso de peso. Estamos vivendo uma epidemia.  O número de crianças com obesidade só cresce. Em 2016, tínhamos uma prevalência de obesidade de 17,6% em meninos entre 5 e 9 anos de idade. A projeção é que em 2030 essa prevalência nesta faixa etária suba para 22,8%. Serão mais de 7 milhões de crianças com obesidade no Brasil entre 5 e 19 anos em 2030 (dados da World Obesity de 2019). Em adultos não é diferente. Pelos números crescentes, estima-se que mais de 40% da população adulta terá obesidade em 2035. Sem contar com os adultos com sobrepeso, quadro menos grave que a obesidade.  É importante termos conhecimento desses números até para conseguirmos avaliar o impacto de qualquer intervenção. Sem intervenções substanciais para prevenir e tratar a obesidade infantil, o número de crianças em idade escolar e adolescentes que vivem com obesidade deverá aumentar cada vez mais, com todas as suas consequências.  Qual a explicação para esse aumento acentuado?  Os índices de obesidade vêm aumentando desde o final da década de 70, início dos anos 80, no mundo todo.  O que aconteceu desde então? Uma tendência a ficarmos cada vez mais sedentários e uma piora do nosso padrão alimentar, com um maior consumo de alimentos ultraprocessados.  Houve uma modificação no ambiente, enquanto nossa biologia permanece a mesma.  Há milhares de anos, tínhamos escassez de comida, tínhamos que caçar para comer, andávamos muito e comíamos pouco. Quem conseguia poupar mais energia, sobrevivia. E agora temos praticamente a mesma genética (poupadora de energia) em um ambiente totalmente diferente, com abundância de alimentos. Diante deste cenário, o que podemos fazer? A primeira coisa é não subestimar a gravidade e a complexidade do problema. A obesidade é uma doença crônica, multissistêmica e recidivante. Tem fisiopatologia própria e deve ser prevenida e tratada.  E abro um parêntese: considerar a obesidade uma doença não é gordofobia. Gordofobia é extremamente frequente e devemos combatê-la. Mas podemos fazer isso sem negar que seja um problema de saúde e que pode e merece ser tratado. Não devemos romantizar a obesidade.  Já foi comprovado, por meio de estudos de autópsia de crianças e adolescentes falecidos por morte de causa externa, que a doença aterosclerótica tem início na infância. Também, que a obesidade, a dislipidemia e a hipertensão são fatores de risco para esse início precoce, acelerando sua progressão. Além disso, é grande a chance de uma criança acima do peso que não recebe tratamento vir a ser um adulto também com excesso de peso. A obesidade diminui a expectativa de vida do indivíduo.  O ideal seria prevenir o excesso de peso?  Sim, com certeza. Prevenção seria o ideal. Como o tratamento da obesidade não é fácil, o nosso foco deveria ser na prevenção. Infelizmente, as estatísticas mostram que nós não estamos conseguindo prevenir esta condição. Como seria essa prevenção?  Podemos atuar desde o pré-natal, para que a mãe tenha um ganho de peso adequado durante a gestação. Já se sabe que o ganho de peso excessivo durante esta fase predispõe à obesidade do filho.  Devemos apoiar o aleitamento materno. O aleitamento materno exclusivo, pelos menos até os 4 meses de vida do bebê, já reduz em 22% o risco de obesidade nessa criança.  Podemos promover hábitos de vida saudáveis para todos da família nas consultas de puericultura. E fazer o acompanhamento regular do crescimento durante toda a infância e adolescência, utilizando a curva de IMC (índice de massa corporal) desde o nascimento. Devemos intervir precocemente quando a curva de peso e IMC estiverem ascendentes.  Diagnóstico e intervenção precoces são muito importantes.  Qual um erro frequente no manejo desses pacientes?  Além de subestimar a gravidade da doença, é um erro frequente subestimar a sua complexidade. Precisamos parar com essa visão simplista e preconceituosa de que alguém fica acima do peso simplesmente porque consome mais calorias do que gasta.  A obesidade é uma doença de natureza complexa e multifatorial decorrente da associação entre fatores ambientais, hormonais, genéticos e epigenéticos.  Mas a sociedade tende a achar que uma pessoa com obesidade está assim por escolha própria, por preguiça, desleixo, por fraqueza de caráter, por falha moral e por aí vai… Muito frequentemente os próprios profissionais de saúde têm essa visão e não gostam de atender esses pacientes.  As crianças e adolescentes com obesidade já convivem com o estigma da doença, que só vem aumentando, por sinal.  O sofrimento emocional decorrente da obesidade é o principal motivo pelo qual procuram ajuda.  A abordagem desses pacientes e de suas famílias deve ser cuidadosa. Uma palavra ou termo utilizado de maneira inadequada durante a consulta médica pode ser percebido pelo paciente como julgamento, crítica – mesmo tendo sido feito na melhor das intenções.  A linguagem importa e não precisamos mudar a língua portuguesa para tratar o paciente com respeito e empatia.  Por exemplo: devemos evitar chamar o paciente de obeso. O paciente não é obeso; ele está com obesidade. Assim como não falamos paciente canceroso, falamos paciente com câncer. Também podemos evitar o termo excesso de gordura. Uma palavra melhor seria excesso de peso, ou peso acima do considerado saudável. A genética tem muita influência?  A genética desempenha um papel importante no fenótipo nutricional. Mesmo em um mesmo ambiente, pessoas têm índices de massa corporal diferentes de acordo com a predisposição genética para a obesidade. Ela pode influenciar de 40 a 80% do fenótipo. Quanto mais grave a obesidade, maior é a influência da genética.  Estudos da década de 90, que acompanharam o crescimento e desenvolvimento de gêmeos monozigóticos e dizigóticos que foram separados na infância, mostraram 70% de concordância no índice de massa corporal entre os irmãos, mesmo vivendo em ambientes completamente diferentes, com famílias diferentes.  Mas a pessoa com excesso de peso come mais e pior? Muitas vezes sim. Diversos genes relacionados à obesidade são expressos no cérebro e influenciam o